FILIPE
Desde os primórdios da história de Portugal se conheceu a distinção entre diferentes classes sociais; o povo, o clero e a nobreza. Era como se se tratasse de uma pirâmide invertida na qual os menos valorizados existiam em maior número. Pura cultura geral. No entanto, estes conhecimentos não se perderam, de todo, aplicando-se ainda na atualidade de forma mais dissimulada.
Não é desconhecimento público das diferenças aplicadas na região interior do país em relação ao litoral, que tem um acumulado de pessoas exorbitante. Se Portugal fosse uma balança estaria desequilibrado, ou já teria assumido uma posição sobre o chão tamanho peso da zona litoral.
Os pensamentos fluíam, à medida que as histórias destas aldeias nos eram concedidas pelos nativos que aqui sempre conviveram. Havia uma clara modificação de culturas, dado o uso destas terras e dos seus donos. As comparações entre a capital deste país tão desgravitado e o interior eram constantes à medida que me apercebia do quão rica esta região era, e o quão inaproveitada se tornara com a migração para as cidades em busca dos empregos merecidos.
Neste momento preciso falara-se então das comemorações religiosas que em agosto se realizavam, e como tradição, não se poderia faltar ao baile popular. Maria Luísa e António nunca folgavam em nos revelar que fora durante uma dessas noites que trocaram olhares pela primeira vez. Enquanto isso, a leste de tudo, encontrava-se Madalena, sentada no espaço entre as minhas pernas, quase a adormecer.
- Não sei se é boa ideia sairmos hoje – oiço Matilde dizer do meu lado, e quando as observo, já Joana, cansada do dia de hoje, descansava no seu ombro. – Elas estão exaustas, e eu, sinceramente, já só espero encontrar o colchão – admitia.
– Amanhã é o fogo-de-artifício, é o maior e melhor da zona, aparecemos por lá. – Francisco sugere, quando a sua mulher também nos deixava conhecer o seu cansaço pelas pálpebras descaídas. – Merecemos todos uma noite de sono, depois do dia de hoje – Matilde concorda completamente, e coloca o corpo de Joana de forma a que seja mais fácil pegá-la ao colo.
– Sim, têm razão. No que nos iríamos meter. Descansem bem queridos – os pais de Matilde referiram e despediram-se das suas netas antes de rumarem ao andar superior.
– Nós iremos também. Não faz sentido irmos apenas os dois – Duarte fala, e leva Alice de mão dada até às escadas para o quarto onde eles iriam ficar estes dias. – Boa noite, meninas e meninos! – ele envia um beijo para o ar.
– Eles estavam tão entusiasmados em nos mostrar. Não visitávamos a aldeia à uns longos meses, e logo acontece isto – a morena suspira, compondo o pequeno casaco de descaíra no ombro da pequena adormecida. – O melhor disto tudo é que hoje adormeceram rápido – uma brisa fresca do vento de verão atinge-nos no curto percurso até à pequena casa de pedra.
– A Madalena está a dormir que nem um anjo – olho para a bebé nos meus braços, que envolve os seus à volta do seu pescoço e dorme tranquilamente. Quando a observo, recordo-me das suas feições recém-nascidas e sinto uma melancolia tomar conta de mim. – Como os anos passam e eu nem dou por eles – admito, e ouve-se silêncio obrigando-me a olhar para a minha esquerda e vê-la colocar Joana na sua cama. Em seguida, ela abre a gaveta escondida da mesma, e sem ser preciso dizer qualquer palavra, coloco Madalena na mesma, que não se moveu um segundo.
Cada um vestiu os pijamas às pequenas belas adormecidas. Engoli em seco quando na passagem ao nosso quarto, vi Matilde despir todas as suas roupas sem qualquer vergonha. Por muito tempo que passe, sinto-me como um adolescente ao seu lado. As sensações são as mesmas, e quando eu adquiri a ideia de que casamento iria alterar tudo realmente acreditei e fixei na minha mente que nunca quereria casar. Em nós? Continuámos igual a nós mesmos, as casuais discussões sobre o pacote de arroz aberto, ou a porta do quarto aberta quando dormíamos. Joana e Madalena teriam legalmente dois pais por direito, e nós pudemos arranjar pretexto para nos declarar em frente ao mar mediterrânico.
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(desa)sossego
RomanceEm plena época balnear, Matilde fica um pouco aflita quando tenta gerir o seu pequeno negócio e conciliar com o que a vida lhe concedera devido a erros do passado. O calor e a inquietação obrigaram-na a procurar um novo funcionário para o café qu...