três.: sensações

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três.: sensação

FILIPE

Terminei de colocar o meu uniforme de trabalho olhando-me ao espelho verificando se estava tudo dentro da minha pasta. Não estava, de todo, pronto para regressar agora que as pequenas ficariam por perto dos pais. Sentia que iria estar a falhar perante elas enquanto pai, mas não podia correr o risco de perder o único estágio profissional que conseguira.

– Não quero ir – desabafei a Matilde, que preparava os pequenos-almoços de hoje, ainda no seu pijama.

– Filipe, já não és nenhuma criança para fazer birras por não querer ir para a escola – ela revira as panquecas e logo as coloca num prato. – Além disso, são oito horas, vão passar rápido – ao passar por mim, deixa um beijo sobre a minha têmpora e encarrega-se de conceder a refeição a Madalena que estava distraída com os seus desenhos animados.

– Vou ter muitas saudades – fiz um pequeno beicinho, enquanto embebia a panqueca em chocolate.

Oh amor – ela não conseguia manter o semblante sério e acabava por rir. A fome não era muita, e eu acabei por não comer o preparado e agarrei apenas numa maçã. – Tem um ótimo dia, e vê se comes mais alguma coisa – eu assenti, e Matilde despediu-se de mim com um beijo rápido, pois Madalena e Joana imploravam a sua atenção.

– Até logo, meus amores. Divirtam-se – embora pareçam confusas com a minha saúde, as meninas despediram-se de mim com beijos na bochecha que fizeram o meu dia.

Sozinho, dirigi-me até à clínica, pensando nos processos que iria ter de analisar hoje, inclusive as consultas que iria ter concluindo que o meu dia de regresso iria ser duro. Desde o primeiro ano em Fisioterapia que tenho adorado a experiência de poder ajudar a regressar à mobilidade alguns casos mais difíceis, ou quando recorrem a mim com as tais dores de costas e voltam para casa recuperadas e com um sorriso no rosto. Exercer esta profissão, ao longo destes quase três meses tem-me demonstrado que eu posso realmente ser útil. Vinte e quatro anos da minha vida eu pensei que nunca iria ser capaz de ser quem sou hoje, de constituir a família que tenho e conseguir estudar. Matilde foi a peça fundamental para impulsionar a minha vida, e Madalena e Joana foram a minha força.

– Bom dia, Filipe Miguel – Diogo, o rececionista, diz, e eu cumprimento-o de igual forma. Ele entrega-me a agenda para hoje, e eu sigo para o meu consultório.

Nove da manhã e recebera o meu primeiro paciente, um caso urgente de mobilidade condicionada pela lombar. Analisei os exames trazidos pelo senhor, e assumi o caso por mais algumas sessões, sendo que à saída o Sr. Ortiza se sentira mais aliviado da carga que o consumia fazia meses.

Perto das onze da manhã, senti a minha primeira fraqueza. Estava numa consulta com uma jovem rapariga lesionada num jogo de basquetebol de educação física na sua escola. Apercebi-me então que o meu corpo precisava mais do que a simples metade da maçã que ingerira.

O tempo passou, e a hora do almoço chegava por fim para terminar com estas sensações e tonturas. Depois de me despedir da última paciente da manhã, peguei nas chaves do consultório, e como fazia sempre, dirigi-me ao restaurante mais próximo da clínica.

Enquanto fazia o pedido, uma dor de cabeça forte atingia-me e o empregado denotara, oferecendo ajuda. Pedi um copo de água com açúcar. Agradeci o gesto, mas as náuseas causadas por algo desconhecido para mim impedem que eu possa sequer engolir algo.

– O senhor está bem? Está muito pálido, e não bebeu a água que lhe trouxe – fora a última coisa que ouvi antes de o meu corpo ceder ao enfraquecimento gradual.

(desa)sossegoOnde histórias criam vida. Descubra agora