Capítulo 3

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Matilde

Há dias em que simplesmente o mundo desaba ao teu redor, e tu não te sentes bem. É normal ter desses dias - todos, uma vez na vida, passam por um dia mau. O que não é normal, para mim, é este sentimento que me agarra e me destrói a cada pensamento. Um dos piores dias da minha vida era vivido e revivido ainda com mais intensidade do que era suposto, e eu quis culpar a gravidez por estar a provocar isto; no entanto, só uma coisa pode ter a culpa -saudade.

Enquanto aplicava os cremes sobre a minha barriga, ia tentando sorrir, ao pensar no ser pequenino que se estava ali a formar. E isso só me transportava para o mais profundo - as lágrimas já desciam pelo meu rosto de novo. Pensar na minha pequena Joana, fazia-me pensar no pai dela, e na saudade que eu tinha dele, mas nunca tinha notado. Nós éramos apenas amigos, vivemos uma pequena aventura de uma noite, e de súbito, ele deixa-nos, eu trato de tudo para que ele possa descansar em paz, mas eu? Eu quis enganar-me este tempo todo, dizendo que conseguia fazer isto sozinha. Ela vai precisar de um pai, alguém presente que lhe mostre o que é ser uma menina do papá - e eu nunca lhe vou poder dar isso.

Dei por mim a marcar o número de casa. Ao segundo toque, ouvi as vozes dos meus pais, e o choro alargou-se ainda mais. "Eu não consigo fazer isto" desabafei e ouvi suspiros do outro lado. "Oh meu amor, não chores." Dizia a minha mãe. "Querida, está tudo bem. Estás a fazer um excelente trabalho" sussurrava o meu pai. "Ela vai crescer, e querer saber quem é o seu pai, e nunca o vai poder conhecer! O dia do pai nunca vai poder ser celebrado, como os outros meninos" eu queria ter acertado uma vez na vida. Queria ser mãe, não mãe e pai - sabendo que vou falhar. "Ouve o pai: - Ela vai ter imenso orgulho na mãe, porque ela é forte e conseguiu criá-la sem um pai presente. Conseguiu lidar com a situação com as garras e força que sempre demonstrou desde pequenina. A mãe que ela vai sempre gabar a toda a gente, porque soube lidar com a situação melhor do que ninguém. Não podes deixar-te consumir por tais pensamentos, sempre foste tão otimista, o que se passa Matilde?" o meu pai falou, e a minha mãe, pelo que percebia devido aos murmúrios, queria desde logo apanhar o primeiro comboio até Lisboa. "Eu vi uma família, a brincar na praia mesmo em frente ao bar onde trabalho. Assisti ao pedido de casamento e à revelação de mais uma gravidez dela. Senti-me impotente, porque a Joana nunca vai ter uma família como a deles, ou como a nossa" eu finalmente deitei tudo cá para fora em forma de palavras. "Meu amor, ouve-me com atenção: Temos imenso orgulho em ti, na nossa pequenina e nos esforços que fazes todos os dias. Não vais desistir agora, pois não? Estás tão perto de a ter nos teus braços - de receber o mundo nos teus braços. Ouve quem sabe, querida!" como sempre, a minha mãe escolhe as palavras mais sábias para me reconfortar. Ri um pouco, pois ela teve quatro filhos e sabe certamente do que fala. Eu sou a mais nova, e no entanto, a primeira a conceder-lhes um neto. "Se ainda assim sentires que precisas de um abraço, liga ao Francisco." Despedi-me deles, com um sentimento em mim melhor.

Preparei-me para mais um dia de trabalho, e fiz questão de comer um bom pequeno-almoço. Precisava de forças, energia para combater este dia que perdura desde as dez horas da noite de ontem. Eu mal havia dormido, e os papos de choro notavam-se mesmo abaixo dos olhos. Os óculos escuros escondiam-nos, por enquanto.

Ainda era cedo quando estacionei o meu carro e observei de novo o mar. Peguei na minha mala e dirigi-me até ao extenso areal ainda vazio, com um ou outro corredor matinal. Como andava prevenida com toalhas de praia, estendi-a sobre a areia e sentei-me, já com algum custo devido à barriga crescer a cada semana.

O som das ondas embater sobre as rochas causava-me uma tranquilidade já conhecida por mim, por passar tanto tempo nesta zona. Alguns arrepios percorrem-me ao lembrar-me das noites passadas aqui com o meu grupo de amigos da faculdade. Todos eles haviam-se espalhado de norte a sul do país. Não sei realmente como reencontrá-los devido às agendas de cada um ser diferente. Já desisti à algum tempo.

(desa)sossegoOnde histórias criam vida. Descubra agora