Capítulo 21

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MATILDE

Duas noites sem adormecer nos seus braços. Duas manhãs a acordar com o choro estridente de Joana que pedia por mais atenção. Dois dias em que toda a família convivia, e eu permanecia encerrada, envergonhada ainda por tais palavras.

Eu preciso de fazer algo para mudar isto.

Hoje era véspera de natal, já passava das doze horas quando finalmente decidi sair da cama, apagar a televisão e dar uma arrumação ao anexo. Joana já não estava comigo, a minha mãe havia-a levado para estarem um pouco mais com ela.

Sentia-me culpada por tudo isto, tão desnecessário.

Escolhi uma roupa mais quente, mas não pude deixar de reparar no conjunto que trouxera igual ao da Joana, para passar um natal diferente, o nosso primeiro natal juntas. Apenas em roupa interior, observei o meu corpo ao espelho, e comecei a imaginar as novas mudanças que iriam ocorrer dentro de uns meses. Foi há exatamente um ano que contara à minha família que estava grávida, e que no espelho do meu quarto observava a minha barriga, apavorada com os meses que se seguiam.

A camisola de lã cinzenta aqueceu o meu corpo, e tratei de escolher umas calças com umas botas de cano alto, devido às baixas temperaturas que se faziam sentir lá fora. Poucas vezes tinha encarado o moreno, mas sabia que estava triste porque, para além das palavras, elas vieram de mim, alguém que tinha dito que o ama umas horas antes.

- Bom dia - falei, ao entrar na divisão onde se via uma revolução na cozinha. Todos pararam as suas tarefas e senti-me a arder, com tantos olhares sobre mim. - Eu tenho de pedir desculpa, a todos, pelas minhas atitudes no passar destes dias. Pensei apenas em mim, e não no bem-estar da família, na felicidade. - o ardor nos olhos voltara e eu impedi as lágrimas de caírem.

Pouco a pouco fui recebendo os abraços de todos, exceto de Filipe, que eu entendi perfeitamente. Ele usava um fato de treino que eu desconhecia, andando um pouco mais lento que o normal. Trocámos olhares antes de eu me dirigir até Joana, enchendo-a de beijos e abraçando-a.

- Matilde, estamos a fazer abraços e rabanadas, queres vir ajudar? - eu concordei nesse momento, arregaçando as mangas.

O ambiente à nossa volta estava animado, embora recebesse alguns olhares da minha mãe, para se certificar que eu estava bem. Tinha retirado estes dois dias para adquirir coragem suficiente para dizer que a família Silva iria ter mais um membro.

A refeição da véspera de natal fora servida, e com muitas conversas, passámos as restantes duas horas. Eu mantive-me calada, sem saber o que dizer, ou como entrar nas discussões. Catarina, sentada ao meu lado, já me olhava fazia algum tempo, e eu sinto-me mal pois ainda não falara com a minha melhor amiga. Francisco, à sua frente, envolvia-se na conversa com Filipe e João. Eu desligara por completo, brincando com alguma comida que tinha no prato.

Seguiram-se as limpezas, e colocando uma cara de confusão em todos os que não sabiam a minha mãe não me deixara colocar esforços, obrigando-me a ir para a sala ter com Joana, que apesar de ter os seus quatro meses apenas, já olhava para o ecrã da televisão, saltando por vezes no meu colo quando um ou outro barulho a chamava à atenção.

- Posso sentar-me? - olhei para cima e logo vi o moreno pedir permissão para se sentar ao nosso lado.

- Sim - disse, tímida, dando atenção de novo à menina dos meus olhos.

Ele não mudara de canal, pois sabia que Joana estava a gostar de assistir ao programa para bebés que passava na mesma. Gostara tanto que quando passava uma das muitas músicas feitas para adormecer, ela o fez, segurando-se ao meu tronco, com uma chupeta na boca. Beijei a sua nuca, e levantei-me cuidadosamente para a deitar sobre o pequeno berço móvel da sala dos meus pais.

(desa)sossegoOnde histórias criam vida. Descubra agora