Capítulo 1

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Matilde

O relógio pendurado nas paredes com um delineado preto, imperfeito, ao longo delas, marca as doze horas do dia. Hoje, como sempre, sentia-me exausta, após quatro horas de trabalho. Seguiam-se mais quatro horas, caso não aparecesse muita gente, após as oito horas noturnas.

O papel que anunciava a disponibilidade de uma vaga neste estabelecimento quase a ser rasgado pelo vento de junho. Por mais calor que fizesse, e por mais brisa marítima fresca que me atingisse, não deixava de me sentir sufocada. Os meus pés pesavam, assim como a minha barriga, já bastante saliente – o que me preocupava com o facto de ser verão e as temperaturas subirem cada vez mais.

– Desculpe, moça – pouso as chávenas sobre o balcão, secando todos os vestígios de águas das minhas mãos. – Não queremos desvalorizar o seu esforço e trabalho, mas eu e a minha esposa pedimos um café à uns cinco minutos. – o senhor e a mulher que o acompanhava sorriem para mim, ao mesmo tempo que observam o ambiente em que o meu estabelecimento se encontra. As mesas estão sobrecarregadas nesta tarde de sexta-feira, e até à uns minutos atrás estava impossível de ser gerido.

Aflita, desculpo-me aos clientes e apresso-me a tirar os dois cafés. Preparava-me para recolhê-los nos respetivos pires quando a minha menina decide pontapear-me com demasiada força. – Agora não, Joana – acaricio a barriga, em resposta ela volta a mexer-se.

– Aqui tem – o casal sorri e iniciam de novo uma conversa entre eles, parecendo ainda mais animados.

Regresso à minha tarefa anterior, lavando todas as chávenas que alguns clientes, atenciosamente, traziam até mim. A verdade é que estava a ser bastante difícil gerir este negócio, comigo nesta situação e os movimentos constantes da pequena não me têm deixado sossegada por mais de uns minutos.

O movimento vai diminuindo, e assim que apenas alguns grupos de amigos restam no local, preparo a louça para amanhã, secando-a uma a uma. Através da porta de vidro, consigo ver um rapaz entrar, retirando desde logo os seus óculos de sol. O mais certo é ter saído agora da praia.

– O que vai querer? – tento permanecer calma, uma vez que o que mais quero neste momento é chegar ao meu pequeno, mas aconchegante, apartamento e descansar pelo resto da noite, até quando a Joana deixar.

– Eu vi a oferta de emprego ali, naquele papel. Sou o Filipe Miguel Santos. – naquele momento, suspiro de alívio. Ao fim de duas semanas, uma possível ajuda, enfim.

– Muito bem. Eu sou a Matilde, a dona deste bar. Como podes ver, é o início da época balnear, e é o primeiro ano que eu estou aqui a gerir este local. É para te candidatares à vaga? – ele acena afirmativamente, e eu vejo que ele retira um papel do seu bolso.

– O meu currículo – desembrulho e leio as informações acerca do moreno de olhos azuis intensos. – Eu não sei se devia dizer isto, mas não consigo omitir estes dados. – olho-o atentamente. – Regressei agora de uma viagem pelo estrangeiro, uma experiência que deveria servir-me de inspiração para voltar a estudar, mas a verdade é que depois de duas licenciaturas falhadas, eu preciso mesmo de um emprego que me mantenha ocupado. – a sua sinceridade surpreende-me. Não foi preciso pensar mais.

– Tens alguma experiência em cafés? – ele nega. – Não há problema. Eu ensino-te e logo vemos como te sais. – sorri e ele parecia aliviado. – Eu costumo fechar perto das vinte horas. E abrimos por volta das oito a nove horas da manhã. Estás disposto a esta carga horária? –

– Não me importo. Como disse, quero manter-me ocupado ao mesmo tempo que não desiludo os meus pais mais uma vez. – sorri fraco.

– Queres começar quando? – questiono, e ele fica um pouco pensativo.

– Amanhã, talvez. Visto que hoje já falta pouco para fechares –

– Claro. Mas podes vir aqui, ficas desde já a conhecer um pouco o canto à casa. – rio, mas logo me arrependo. Respiro fundo, e com as mãos na minha barriga, movo-as ao longo desta, reposicionando a bebé. Filipe entra pelo pequeno portão de acesso ao balcão. – Aquela zona ali ao fundo é onde estão as bebidas brancas e aquelas bebidas que eles costumam pedir como complemento. Aqui no meio está a máquina para tirares os cafés, aprende-se fácil. Mais para o fundo, está a zona dos refrigerantes e bebidas sem álcool – sei que ele não presta atenção ao que digo, quando o capto a olhar para a minha saliente barriga.

– Estás...? – rio, quando ele parece surpreendido.

– Sim. Por isso preciso de ajuda para controlar as coisas por aqui –

– Quanto tempo? – Filipe demonstra-se curioso.

– Estou a entrar no sexto mês – não percebo o seu espanto, e decido perguntar-lhe o porquê de tanta surpresa?

– Não deverias estar a descansar em casa? Um sítio destes não é demasiado exaustivo para ti? – notavelmente preocupado, ele percorre o olhar pelo local.

– Tenho de lidar com o que a vida me dá – apenas digo, e ele não volta a interpelar-me com tal assunto. – Amanhã, logo pela manhã, ensino-te como as coisas funcionam aqui. Vais ver que vai correr tudo bem! –

– Espero que sim. – juntos, deixamos o extenso balcão. Pego na minha mala.

– Hoje isto esteve de loucos... – suspiro, trancando a porta e fechando a persiana da mesma. – Nem te disse quanto irias ganhar, caso ficasses aqui – lembro-me, e recorro à minha memória um pouco mais antiga. – Não é muito, isto ainda está muito no princípio, por essa mesma razão, não podes ficar a ganhar mais do que setecentos euros por mês, brutos. – entrego-lhe o contrato, para que ele leia atentamente em casa.

– Estás a brincar? Isto é ótimo! – desprevenida, sou apanhada pelo seu abraço que me deixa um pouco constrangida – Desculpa, demasiadas emoções. Obrigada e até amanhã! – Filipe parecia entusiasmado quando entrou no seu carro, que por coincidência estava logo estacionado atrás do meu.

Depois desta boa notícia, só quero chegar a casa e tomar um daqueles banhos duradouros, comer tudo o que a minha menina me anda a pedir, e dormir o quanto posso, para amanhã poder voltar a repetir a rotina de todos os dias.

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Sinto que este capítulo está um pouco fraco, em termos de escrita e de ação, mas é o início de tudo, não posso entrar já a querer causar confusão!

Obrigada por todo o apoio no prefácio e pelos comentários <3

Beijinhos e até ao próximo capítulo!

 

(desa)sossegoOnde histórias criam vida. Descubra agora