MATILDE
A organização decorria no seu pleno. Os rabiscos davam lugar a espaços desenhados, o lápis cinza substituído pelo vermelho e pelo verde das rosas. No meu caderno as dezenas de folhas vazias foram sendo preenchidas ao longo deste dia. O silêncio fora substituído pela música de fundo, escolhia aleatoriamente de uma playlist romântica.
Sorria, satisfeita com os resultados finais desta que era a preparação à qual a família estava já acostumada. Em facto, todos eles saíram hoje para a compra dos vestidos e fatos para a pequena cerimónia, ficando eu com Catarina, grávida de nove meses. O dia vinte e seis de dezembro; o mais esperado pelos saldos.
– Está a ficar lindo – Catarina desviara a sua atenção para as minhas projeções. Passaríamos o dia nisto, uma vez que acabara de receber uma mensagem de Duarte e João a confirmar as minhas suspeitas; a escolha dos vestidos e fatos iria prolongar-se mais do que o previsto.
– Para quem nunca idealizara o seu próprio casamento, não me estou a sair tão péssima assim – rio, desviando o seu olhar para os seus movimentos mínimos em se readaptar a uma nova posição.
– Com a minha ajuda, pudera! – ri, orgulhosa, mas logo as suas mãos vão para a sua barriga. – O teu sobrinho hoje não me dá descanso – admite, fazendo alguns carinhos naquela é a maior barriga que já vira com apenas um bebé.
– Podemos parar, se preferires, Catarina. Não quero que faças esforços e algo aconteça – falei, já preocupada.
– Não é preciso, Mati. Eu apenas estou a desenhar, nada de muito cansativo – ela pega de novo nas folhas e traça algumas linhas que darão origem à decoração do salão do restaurante o qual já contactámos. – Entretanto... preciso de ir à casa de banho – ajudo-a na sua pequena caminhada até à divisão e regresso à nossa base.
O sofá tem sido o meu refúgio nas últimas três horas de planificação. Quando dera por mim, terminava de desenhar o que pretendia para a disposição das mesas, sendo que optei pela colocação das mesmas frente a frente, numa longa fila, dado os convidados serem apenas os mais próximos a nós e às nossas famílias; nada mais nada menos do que cinquenta pessoas.
Verifiquei o relógio no meu pulso e o meu primeiro instinto fora correr quando um gemido de dor se ouvira. A madeira tingida de branco fora desviada, e revelava-me Catarina, com as suas pálpebras cerradas, as respirações eram profundas e prolongadas.
– Então, mamã? – cheguei perto dela, auxiliando-a numa posição mais confortável. Fiz leves carinhos nas suas costas, sabendo já, exatamente, o que estava prestes a acontecer.
– Matilde... Ele vai nascer – ela diz, fechando os seus olhos de novo. Percebi que se tratava de uma contração forte que chegara.
– Sim, já sabemos – sorri, feliz. Na mesma posição, esperámos a próxima contração, encontrando o intervalo entre as mesmas de dez minutos. – Consegues andar? – questionei, pelo qual ela assentiu. Com alguma força de vontade, ela conseguiu sair do espaço e sentar-se no sofá do seu apartamento.
– Liga ao Chico – ela falou fraca, as lágrimas a assumirem a sua dor e sofrimento. – Mas fica aqui – assim o fiz, unindo as nossas mãos e deixando que ela pousasse a cabeça nas minhas coxas.
Não foram precisos mais de dez minutos de espera, muito prolongada, por sinal, até que a chave fosse introduzida na fechadura do outro lado e víssemos o ser loiro entrar, preocupado, pela casa dentro, acompanhado por Duarte, apenas.
Beijei a testa à minha melhor amiga grávida, deixando-a ao cuidado de Francisco, que a segurou nos braços durante os momentos de maior dor antes que ela se pudesse mover de novo. Procurava as malas da maternidade quando ouvi um grito provindo da sala de estar, logo mais gemidos de dor e pedidos de ajuda suplicantes que me deixaram nervosa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
(desa)sossego
Roman d'amourEm plena época balnear, Matilde fica um pouco aflita quando tenta gerir o seu pequeno negócio e conciliar com o que a vida lhe concedera devido a erros do passado. O calor e a inquietação obrigaram-na a procurar um novo funcionário para o café qu...