Capítulo 20

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MATILDE

Como é que eu fui capaz?

Perguntava-me infinitas vezes, enquanto chorava, por entre as mantas. Ele não merecia ser magoado daquela forma. Não sei o que me passou pela cabeça, quando dei por mim já aquelas palavras venenosas e invejosas tinham saído pela minha boca fora e toda a família assistira. Senti-me tão envergonhada, corri o mais que pude, até uma dor forte na minha barriga me parar.

Neste momento estava a tentar digerir o meu segundo pequeno-almoço, já que o primeiro havia sido expulso, na sua totalidade, pelo meu corpo. A minha garganta, por mais água que bebesse, ardia.

O frio que se fazia sentir nesta casa de pedra era amenizado pela lareira que aquecia, com o seu último tronco, toda a divisão. Olhei para a mesa de cabeceira, encontrando o telemóvel de Filipe nesta mesma. Não evito em deixar mais lágrimas cair.

Quis evitar, mas tudo voltou a repetir-se e as torradas com chá saíram, deixando dor para atrás. Da casa de banho, ouvi o trinque da porta e comecei a tremer. Passos lentos eram dados, e eu apenas me sentei, derrotada, no chão de mosaico.

- Matilde, filha? - percebi que chamava por mim, e eu apenas soltei "Aqui". - Querida, como estás? O que aconteceu contigo? - e chorei, de novo e de novo, no colo da minha mãe, desiludida comigo mesma.

- Mãe... - não consegui evitar em levar a mão ao meu peito, sentindo-o bater a ritmos inconstantes. - Eu fui uma cabra. -

- Não digas isso... - tentava acalmar-me, mas a cada segundo que passava as palavras "sonso que tu és" assombravam a minha mente. - Fala comigo, como te sentes? -

- Mal, muito mal - sentia suores por todo o corpo.

- Podes ter apanhado outra gripe? - neguei, e apontei para a privada. - Estás a tremer, filha. Estás muito nervosa -

- Eu não devia ter dito aquilo... Agora o meu corpo está a vingar-se de mim, dói-me a barriga... - falava por entre espaços, enquanto sentia o meu corpo ser levantado. Maria aconchegou-me na cama.

- Vou trazer a Joana para aqui, espera um minuto - e esperei. Ela cumpriu a palavra, um minuto depois trazia a minha menina no colo, deitando-a perto de mim, o que me fez abrir um sorriso, mas logo as lágrimas tomaram conta de mim de novo.

- Eu estraguei as nossas férias, mãe. Explica-me porque é que fui ser tão parva para ele? O que é que me deu? -

- A mim parece-me que sentiste ciúmes, porque ele estava sozinho a cuidar da tua menina, mas sabes que a partir do momento em que o Filipe se tornou da nossa família, ele tem todo o direito em disfrutar tempo com a enteada, até porque tu lhe deste autorização para sair sozinho com ela. - o que ela diz faz sentido, apenas agora.

- Eu apenas... a queria segura, mas juro que não queria tê-lo insultado. Ele sempre foi tão querido e preocupado, não é nada daquilo que eu lhe atirei à cara - a minha mãe repetia "Eu sei, descansa, agora"

E eu descansei, mas não por muito tempo. Joana precisava de mim, e eu não tinha como ajudá-la, dado o meu défice de alimentos. Recorri ao leite que salvara por precaução, e isso parou o seu choro e descansou por mais uns minutos.

Os meus olhos estavam fechados, mas a minha mente inquieta, não me deixando dormir. Oiço a porta ser aberta de novo, e ao passo que oiço pés sob a madeira, oiço cavalos correrem sobre o caminho calcetado.

- Fiz este chá para ti, querida. Bebe - e ela entregou-me a chávena quente. Era Camomila, um chá calmante que eu sempre tomava quando me encontrava em situações mais estressantes. Ela conhecia-me demasiado bem.

(desa)sossegoOnde histórias criam vida. Descubra agora