CAPÍTULO 12
MATILDE
O caos formado por esta nova etapa da minha vida estava finalmente a tornar-se em ordem. O meu apartamento já parecia completamente renovada depois de todas as coisas estarem no seu devido sítio. As roupas não estavam mais espalhadas no quarto e na sala e a lavandaria estava livre para poder continuar a rotina de todos os dias. As três semanas de maternidade haviam atingido o seu fim e só hoje consegui arranjar este espaço de tempo para fazer tudo isto.
Sentei-me no sofá, enquanto acomodava Joana no meu colo e me preparei para descansar deste dia que me deixou de rastos. Não só pelas limpezas, mas também pelas recordações que fui encontrando em caixas arrumados por debaixo da cama. Já há muito que queria dar um novo ar à minha casa, mas o desassossego que esta pequena me causara nos últimos três meses da gravidez não me permitiram.
Os meus pais acabaram de chegar ao seu apartamento temporário depois de um dia de passeio a revisitar Lisboa e os seus locais mais históricos, tal como turistas. Ainda me convidaram, mas eu não me sentia uma boa companhia hoje.
Final de tarde e a minha vontade em preparar algo para comer apenas diminuía. Encontrar aquelas fotografias, os vestidos, até mesmo os meus livros de universidade me causaram esta melancolia incurável. Um filme passava na televisão e à primeira vista parecia um drama e romance – apenas para melhorar mais um pouco o meu dia.
– Meu anjo – eu falei para a bebé cutucando a sua barriga. – Amo-te muito, muito – mesmo sabendo que ela não entendia o que eu dizia, sentia a necessidade de o fazer. Ela é o meu mundo.
No exato momento em que dei atenção ao ecrã dois jovens apareciam, numa despedida, num aeroporto e notava-se o quão afetado o rapaz parecia e a rapariga que dizia ser melhor amiga dava-lhe todas as palavras de força para uma nova fase longe daquela cidade. Só este pequeno troço trouxe lágrimas ao meu rosto e a cada segmento que surgia deles os dois separados eu chorava ainda mais.
– Porquê é que me deixaste sozinha? – falava comigo mesma, na esperança que Ele me ouvisse.
"Sim? Matilde?" não pude evitar. "Olá, Filipe" "Está tudo bem?" quis responder-lhe logo, mas parecia ter ficado sem fala. Eu não sei realmente porque senti a necessidade de lhe ligar. "Já jantaste?" "Ainda não, porquê?" "Bem... Eu queria perguntar-te se não queres vir jantar connosco?" "Sim, tudo bem. Queres que leve alguma coisa?" "Na realidade, eu não tenho nada pronto aqui, então agradecia que... Não sei, traz o que quiseres" " Claro, dá-me vinte minutos. E Matilde?" "Sim" "Estás mesmo bem?" "Dentro dos possíveis" deixo escapar num longo suspiro. "Até já" pousei o telemóvel na mesa enquanto continuava a ver o desenrolar daquelas personagens. Estava perto do fim e a jovem tinha ficado grávida aos dezoito anos de um caso de uma noite apenas. A menina dela cresceu e cresceu e ela não encontrava o amor da sua vida.
Porque é que ainda faço isto a mim própria? Diz-me, destino, porquê?
A campainha tocara no momento em que os dois melhores amigos se voltaram a reencontrar quase dez anos depois. Limpei as lágrimas e fui abrir, vendo Filipe com duas caixas de pizza na mão e um saco na outra. Recebi dois beijos sobre as minhas bochechas e o seu olhar verde intenso não me deixou.
– Trouxe o nosso jantar – pousa as coisas na cozinha enquanto eu vou pegar em Joana, já a querer dormir e pouso-a sobre o berço móvel que possuo na divisão. Na televisão o filme continuava a dar. – Pareces triste? – ele olha-me confuso, e eu formei um pequeno beicinho sabendo que eu estava mesmo triste.
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(desa)sossego
RomanceEm plena época balnear, Matilde fica um pouco aflita quando tenta gerir o seu pequeno negócio e conciliar com o que a vida lhe concedera devido a erros do passado. O calor e a inquietação obrigaram-na a procurar um novo funcionário para o café qu...