Hoje está completando sessenta e dois dias. Eu estou exatamente na terceira fileira, sentado na carteira que se encontra beirando a janela enorme e embaçada graças à chuva. O frio finalmente chegou ao Rio de Janeiro e eu não esperava que fosse doer dessa maneira. Eu não sei se é bem o tempo gelado e úmido que está me causando essa forte dor.
A porta enorme de madeira que fica no lado oposto onde minha cadeira estava, se encontrando ao lado direito da sala da faculdade. Estamos tendo aula de Filosofia Jurídica. Helena conseguiu adiantar os estudos dela em Portugal e, devido ao desenvolvimento do país, teve um adiantamento significativo, chegando ao oitavo período. Helena mentiu para todos nós sobre ter trancado a faculdade. Eu não sei o que ela queria com isso, mas ela está aqui. Ela sentou na primeira carteira que se encontrava encostada no canto direito da sala. Seu cabelo havia crescido e retornado a cor natural. Suas roupas estavam comportadas, ela vestia uma saia preta, formal, colada nas coxas e que se estendiam até a região do joelho. Usava uma blusa listrada, cinza com branco. Ela abraçava os livros de forma sutil enquanto equilibrava, mesmo que sentada, as pernas em cima de seu salto.
- Thomas? - Gritou o professor.
Quando minha ficha caiu, a classe inteira estava olhando para mim enquanto eu encarava Helena sem perceber.
- Thomas! Exclamou mais uma vez.
- Desculpe, professor. - Respondi, sem graça.
- A justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária, enquanto a injustiça se relaciona com os extremos. E justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica, por escolha própria, o que é justo(...) Este trecho, extraído de uma obra clássica da filosofia ocidental, trata de uma discussão da justiça considerada como:
- Virtude, dentro do pensamento ético de Aristóteles.
Ele continuou a aula ao saber que eu não tinha desconhecimento. Foi mais uma de suas tentavias frustadas de esperar por um erro meu parar poder me dar uma lição de moral diante de toda a turma. Acontece que, com a falta de Helena, eu voltei a ser o que era. Eu vivo para ler, escrever, estudar, me isolar.
Benjamim voltou a ser aquele amigo chato que vive em prol de me fazer sair de casa. Sempre que chega sexta-feita, eu desligo o celular, pois sei que ele vai me ligar às 19h para mandar eu ir me arrumar para sair por aí. O seu casamento com Isabel está próximo, eles não quiseram mais adiar. Estão completamente apaixonados e eu só consigo sentir feliz quando me coloco no lugar dele.
O garçon daquele velho barzinho não aguenta mais me ver, tampouco me ouvir. Caroline vive aparecendo em frente a faculdade, me implorando para voltar. Óbvio que eu nem cogito essa ideia, eu só quero distância daquela maldita mulher. Dudu está cada vez maior, e ela também vive dizendo que mentiu sobre ele não ser meu filho.
Eu abri mão da "carreira de modelo", não vejo mais tanta necessidade em aparecer, não mais. Eu não quero ser conhecido como alguém sem conteúdo e com apenas forma física. Estou há dois meses praticando boxe e, não querendo me gabar, estou me achando um ótimo lutador.
Independente do rumo que eu tenha tomado e de parecer que Helena está melhor sem mim, eu trocaria uma vida inteira apenas para saber o que passa na cabeça dela quando me vê. Eu só queria saber se ela pensa em mim; eu queria saber se ela sente algo por mim; eu queria saber se ela teria coragem de algo por mim. Fora isso, eu também queria que ela tivesse o poder de olhar para ela mesma, só que com os meus olhos. Ela saberia, de uma vez por todas, a imagem perfeita que tem. Seus olhos, sua boca, as curvas de sua alma. Parece estranho, eu sei, mas eu sempre quis alguém que se excitasse ao me ver despido, mas não me refiro à roupas. Eu sempre quis está diante de alguém que me visse por dentro e mesmo assim conseguisse sentir tesão. Sentir amor.
Eu queria ter outra chance para mostrar para ela o quão diferente estou, o quão disposto estou. Acontece que não estou diferente quando se fala de medo, mas eu vou tentar.
Exatamente nove horas, a aula se encerrou e o professor nos desejou um bom dia. Helena se levantou rapidamente e seguiu, ainda abraçada com os livros, pelos corredores da universidade. Eu tentei alcançá-la, mas só outro alguém chegou primeiro. Helena ficou diante de um rapaz alto, ruivo até nas sobrancelhas. Eles pareciam discutir. Resolvi me encostar na parede ao lado e tentar ouvir o que Helena falava. Seu jeito escandaloso não mudou, para a minha sorte. Tudo que ele falava saia embolado, pois o mesmo tentava se conter, mas Helena, com seu tom de voz extravagante, disse:
- Você diz não me deixar em uma gaiola, mas o ar livre que você me proporciona me rodeia em uma proporção tão forte quanto um furacão. Eu estou presa, mas você disse não me manter em uma gaiola. Talvez esse objeto pequeno e rodeado de grades finas não seja o nome certo para dar ao que estou vivendo agora. Eu diria que é coisa da minha cabeça. Você não me prende em uma gaiola, mas me cerca com ultimatos e ameaças que me prendem a decisões semelhantes a dos passarinhos presos em uma gaiola. Talvez eu realmente seja um passarinho como aquele que estava preso em uma pedra e que mesmo depois de estar livre, continuou se achando incapaz de voar. Eu acho que posso voar, mas eu não quero que você me deixe voar. Seja suficiente para entender que eu faço parte do presente, farei parte do futuro, mas nunca serei consequência de um passado que não seja o meu e, cá entre nós, eu não mudaria uma poeira do lugar se pudesse voltar atrás. Se eu tivesse a oportunidade de voltar atrás, apenas assistiria os meus sorrisos em momentos de alegria, minhas lágrimas em momentos de orgulho. Se eu pudesse viajar para o passado, faria questão de rever a parte onde aprendi que eu não preciso morrer soterrado nos entulhos para chamar algo de amor. É, eu posso voar, por mais que queira pousar e repousar aqui, baterei minhas asas no primeiro movimento e atitude que invadir meu coração como um raio e não me fazer sentir certeza de que não estou em uma gaiola, mas sim em um lar.
Aquelas palavras se transformaram em um enorme braço teleguiado que voou até meu rosto, me nocauteando. Eu Percebi que Helena nunca mais iria me dar outra chance, ela estava mudada. É melhor deixar disso e realmente seguir em frente. É melhor tentar esquecer Helena.
Me virei para a porta de saída e, ao dar o segundo passo, acidentalmente esparrei em uma enorme lata de lixo que, como em um filme, apareceu na minha frente.
- Thomas? - Disse Helena enquanto direcionava, ela e seu namorado, a atenção para mim.
Soltei risadas mesmo com aquela situação ridícula conspirando contra mim.
- O.. Oi. - Respondi gaguejando.
- O que faz aqui?
- Eu estudo aqui. - Respondi enquanto coçava a cabeça e andava de costas.
Me virei para a porta novamente e acelerei o passo, ignorando a chamada de Helena.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O amor que encheu a barriga
RomancePLÁGIO É CRIME! Thomas é um jovem de 25 anos, de pele parda e com cabelos castanhos que combinam com seus olhos cujos cílios são longos e atraentes. Seu maxilar bem desenhado dá um contexto maior aos lábios que, por sua vez, são pequenos e miste...