O Último Aniversário

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Não era a primeira vez que irrompia uma discussão à mesa do café da manhã no Orfanato para Meninas de Santa Maria, em Chelmsford, Inglaterra. Irmã Eliza, uma freira que podia ser uma copia de Greta se também se interessasse em torturar criancinhas, ainda teve tempo de invadir o refeitório e gritar em latim antes de me agarrar pela gola da camisa e me arrancar de cima de Crystal Thomas Davies como se eu fosse um cão.

— Louca! Ela devia estar em um hospício e não aqui! — A garota loira guinchou do chão, algo muito patético para alguém de sua altura e idade, então lhe dei um chute na cara. O som do impacto me fez sorrir, o que não ajudou muito a situação. A freira me puxou ainda mais para trás, a mão de ferro três vezes mais firme na minha roupa. Roupa, não pele. Havia aprendido a lição depois da primeira vez.

— Basta, Lewis! — Eliza vociferou. Tinha pulmões muito fortes para quem beirava os sessenta. — Se fosse eu no comando desse lugar, juro que já tinha...

— Mas o que está acontecendo? — Katherine foi atraída, como usualmente costumava ser quando eu estava prestes a ser expulsa, mesmo que não achasse que podiam fazer isso. — Irmã, solte a menina.

— Se ela prometer que não irá continuar a tentar matar os outros — despejou enquanto me olhava. Eu detestava seus olhos castanhos quase tanto detestava os azuis de Greta e o quanto ainda o fazia, às vezes, com Snape. Pensar no meu professor fez meu monstro rugir mais uma vez, a fenda no meu coração se abrindo ainda mais, então o empurrei para muito abaixo da minha consciência.

— Tenho certeza que Malorie teve bons motivos para tal, mesmo que sua atitude ainda seja horrível — Kate me olhava de forma incisiva, talvez esperando que eu me explicasse, mas fiquei quieta. — Muito bem. Leve a Crystal para a enfermaria, irmã Eliza, e eu cuidarei dela. As outras, dispersando, por favor.

E assim o show acabou. Vi Davies ser levada aos tropeços para a enfermaria por Eliza, chorado e soluçando tão alto que era falso. Não que eu duvidava que estivesse com dor, eu garanti que sim, mas ela não podia perder uma oportunidade de tornar as cosias piores. Para quem, não sei. Não havia nada mais fundo para mim. Foi com esse pensamento que acompanhei Katherine para sua sala, onde havia se instalado pela sua posição de coordenadora do lugar. Não era a mesma que Greta usava, notei na primeira vez que pisei ali, o que achei de ótimo tom – havia sangue demais.

— Sente-se, Mal — não me sentei. Permaneci de pé, perto da janela, e consegui ouvir o suspiro que a mulher deu. — Certo. Então apenas se explique.

— Crystal estava sendo ela mesma — debochei enquanto estralava os dedos ainda sujos do sangue da menina. — Uma vaca desgraçada.

— Olhe a língua, Malorie, isso aqui é uma casa do Senhor — seu olhar duro quase me fez rir. Katherine podia ser muitas coisas, mas severa não era uma delas. — O que Davies estava fazendo?

— Além de respirar e atrapalhar meu café da manhã aparecendo na minha frente? — Passei a língua nos dentes, encolhendo os ombros. — Ah, sim, estava patrulhando a mesa das garotas menores para pegar sua parte de salsichas.

— E a razão dela fazer algo assim seria?

— Você quer que eu responda ou respeite a casa do Senhor? Escolha só um — grunhi para ela, mal-humorada. Eu sabia que não era uma boa ideia tratar com grosseria minha única aliada de peso – irmã Kate era a única que eu ainda via os olhos encherem de água ao se lembrar do inferno que aconteceu nessas paredes supostamente santas. Ela tinha consciência do meu passado, tanto com Greta quanto com Joan, e talvez por isso eu ainda tinha um teto sobre mim. — Pela mesma razão de todas crianças ricas: acha que é seu direito supremo e absoluto fazer o que quiser com seus inferiores, também conhecidos como resto do mundo.

Corona IIOnde histórias criam vida. Descubra agora