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Encaro o meu guarda-roupa aberto pela centésima vez para ter certeza que não estou me esquecendo de nada. Agora, já quase vazio, faz com que o pequeno vestido branco manchado de tinta se destaque em meio à madeira escura. Está amarrotado bem ao lado de uma camiseta de banda surrada que nunca me pertenceu, mas que eu nunca tive a oportunidade de devolver.

Memórias são como roupas fora de estação. Você pode esconder no fundo da cabeça ou enterrar no armário, mas, vez ou outra, tem que fazer a faxina de primavera, e elas voltam para te assombrar.

Deixo que meus dedos deslizem pelo tecido fino e, no mesmo instante, o som da televisão ligada anuncia mais uma vez o festival HOLI de música e cores de Los Angeles. Sinto uma sensação esquisita na boca do estômago quando a conhecida voz masculina invade o quarto em alto e bom tom, anunciando que estará entre as apresentações do festival. Dessa vez, vai cantar no palco principal.

Respiro fundo e sacudo a cabeça, tentando afastar as lembranças. A camiseta e esse pedaço de pano manchado deviam ter ido parar no lixo há muito tempo. Dou um fim no vestido, atirando-o na grande pilha de "doação" atrás da porta, mas — não sei bem o motivo — a camiseta preta da "French 75" acaba indo parar na mala aberta sobre a minha cama.

Dobro mais algumas blusas e acomodo-as na bagagem. Conto as peças mentalmente, certificando-me de que não estou me esquecendo de nada: Meias, peças íntimas, escova de dente, desodorante... Droga! Eu ia me esquecendo das toalhas. Salto da cama, e antes que possa me mover sinto um par de mãos grandes tapando meus olhos.

— Advinha quem é?

O hálito quente toca a pele exposta do meu pescoço, causando arrepios.

— E dá para não adivinhar? — Rio e me viro, dando de cara com um par de olhos verdes tão claros que quase parecem azuis. Enrosco as mãos na nuca quente, ficando na ponta dos pés e Thomas me puxa pela cintura, unindo os nossos lábios. A boca dele tem o sabor gostoso do chiclete de menta sem açúcar que ele masca o tempo inteiro.

— É minha impressão ou cada ano que passa você fica mais bonita?

— É impressão sua. — Eu ruborizo e toco com o dedo indicador sobre a ponta do seu nariz. — Agora cadê meu presente?

— Seu presente? — Thomas atua muito mal, então eu sei que ele não esqueceu. — Se eu entrar em um embrulho gigante e me der de presente pra você vai ser bom o suficiente?

Eu demoro alguns instantes para refletir.

— É tentador — confesso. — Mas você não vai me deixar te colocar na mala e te levar comigo, então... Não!

— A gente tem mesmo que ir? — Meu namorado grunhe.

Empurro-o fraco e caminho até o armário para pegar as toalhas, Thomas caminha atrás de mim. Parece grande demais, como um gigante numa casinha de boneca, curvando-se sob o forro de madeira que cai em duas águas ao redor do meu quarto no sótão.

— Se a gente precisa mesmo ir pra faculdade e ter um futuro? — pergunto rindo. Enfio as toalhas na mala fazendo-a transbordar, depois faço algum esforço para fechá-la. Thomas me ajuda, usando o braço forte de atleta para pressionar as roupas para baixo enquanto eu puxo o zíper. — Eu acho que sim.

— Queria que fosse comigo. Não gosto da ideia de ficar longe de você.

— Não fui eu que decidi me mudar pra costa leste — alfineto.

— Ei! Não fala assim! — Meu namorado se aproxima pelas costas, passando o braço largo ao redor da minha cintura estreita. Eu me encolho sob o calor do seu corpo. — Sabe que a Columbia é uma das faculdades mais respeitadas da América, e eles tem um ótimo programa de basquete.

Ninguém mais que nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora