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— E então... — Eu me sento na cadeira de frente para Thomas, trazendo comigo dois copos grandes de café. Adoraria dizer que a dor-de-cabeça é ressaca de bebida, mas eu não bebi nada. Não, a dor é um sintoma da culpa e da raiva. Culpa pelo Thomas, raiva do Pedro e do seu sarcasmo desnecessário antes das 9 da manhã. — O que aconteceu?

É uma pergunta sincera, e eu deveria ser sincera também. Colocar todas as cartas na mesa seria o justo e o honesto a fazer, mas olhando nos olhos de Thomas não tenho coragem partir seu coração trazendo o nome do Pedro pro meio dessa desavença. A verdade é que estou sendo covarde.

— A distância — resumo e beberico um gole. — Não tá funcionando desse jeito. Me desculpa.

Eu continuo me desculpando, ele continua não fazendo ideia do motivo.

— É por causa da Yumi?

Claro que a simples menção ao nome dela me deixa enciumada, mas eu perdi todo o direito de sentir ciúme quando beijei e fui pra cama com outro cara.

— É... isso me irritou um pouco, mas não... — Sou interrompida.

— Olha, a menina tem a nossa idade, faz faculdade, estágio e tem um filho pequeno. Não é fácil se enturmar desse jeito. Eu só estava tentando ser legal e talvez eu não devesse, mas aquele dia, ela pediu meu celular emprestado e a gente meio que se perdeu na festa, eu não vi mais ela até o dia seguinte. Eu devia ter te falado, é só que...

— Não precisa se justificar, Thomas — é minha vez de interromper.

Odeio estar fazendo com que ele se justifique, quando fui eu quem errou de verdade. Eu quem pegou nosso amor e jogou na privada, botou tudo a perder por um moreno bonito e babaca, que nem sabe me tratar bem, mas mexe comigo de uma maneira que nenhum outro cara do mundo consegue.

— Você tá diferente... sei lá... — Sua mão atravessa a mesa para segurar a minha. Eu não quero fazer isso, então desvio o olhar para a vidraça, e é quando vejo Sarah passar dirigindo no carro do Pedro. — E você tirou a aliança... pensei que gostasse dela.

— Eu te disse que preciso de um tempo, Thomas.

— Por que é que eu sinto que tem algo mais acontecendo e que você não quer me contar? — Suspiro. — Como vão as coisas no trabalho?

Eu sacudo a cabeça, bebo outro gole do café forte, sendo lembrada de que esse relacionamento já não estava em seus melhores termos antes mesmo de eu cair nos encantos do Pedro. O Thomas nem sabe sobre o assédio do Bertrand, sobre o meu novo emprego, é como se estivéssemos em páginas diferentes de um mesmo livro.

Funcionávamos bem em Santa Bárbara, mas é óbvio que as coisas mudaram quando as nossas vidas se distanciaram.

— Eu teria adorado se você tivesse me perguntado isso há umas semanas — admito. — Eu precisei de apoio, sabe... Agora, sei lá, acho que não estamos mais na mesma página, Thomas.

— Então me coloca na sua página — pede. — Desculpa se eu te magoei com o lance da Yumi. Desculpa se você precisou e eu não estava. Mas você me afastou, Julie. E da última vez que a gente se falou...

Eu trouxe à tona o nome do Pedro, penso.

— Isso não é sobre o Pedro — garanto.

E talvez até seja um pouco, mas não estou mentindo. Pedro não é o motivo para tudo isso, ele foi só a ponta do iceberg. O problema começou bem mais pra baixo.

Talvez a mudança pra Los Angeles tenha me colocado numa solidão vulnerável. Talvez eu tenha me sentido emocionalmente instável. Talvez a fúria que eu senti do Thomas com a Yumi tenha baixado a minha guarda. Talvez o assédio do meu antigo chefe tenha me deixado numa situação delicada.

Ninguém mais que nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora