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O prédio acinzentado fica num dos códigos postais mais valiosos do planeta, e eu preciso envergar o pescoço para enxergar o topo, que é exatamente onde o Pedro mora: na cobertura. Acima de todos os outros meros humanos mortais, como eu.

A portaria já foi avisada sobre a minha chegada, então libera o acesso sem grandes empecilhos. Claro que eu preferia usar as escadas, mas não ia querer chegar no trigésimo andar ofegante, suada, e parecendo uma versão ridícula e desfeita de mim mesma quando encontrasse com o Pedro.

Não que esse elevador em específico seja claustrofóbico. Na verdade, eu nem reparo nas portas de aço me enclausurando, porque meus olhos se encantam com a vidraça.

Tenho que admitir: o dinheiro de Pedro pode pagar por uma bela vista panorâmica da cidade, o que é bem mais incrível do que um iate. As portas abrem direto na sala de estar espaçosa: Paredes num tom de grafite, piso marmorizado, pé direito duplo e um grande lustre pendendo do teto.

Não tem ninguém às vistas, e eu sigo explorando o ambiente por conta. Tem um grande quadro do Kurt Cobain, e vários outros menores de artistas e bandas que ele aprecia, além, claro, dos discos de ouro e platina da French 75 pendurados na parede orgulhosamente.

Nada de discos espalhados pelo chão, seus vinis ficam muito bem organizados numa prateleira. Aliás, tudo é extremamente minimalista e organizado, com a decoração em tons de cinza e inox.

O piano de cauda preto fica no canto da sala, e eu sorrio com a ideia de um Pedro ali, tocando um som acústico e tomando uísque caro enquanto assiste o sol se pôr pela gigantesca vidraça. Deve ser fácil se sentir inspirado pra compor canções num lugar desse.

As roupas sujas espalhadas num ônibus com cheiro de mofo e a paixão adolescente que nasceu ali dentro são todas memórias de uma vida passada. Talvez Ian tenha razão. Lily Adams combina muito mais com esse novo Pedro do que eu.

Eu devia deixar o Pen Drive em qualquer lugar por aqui e bater em retirada, mas as ordens do Ian foram bem expressas: das minhas mãos direto nas mãos dele, e eu não vou querer ser a responsável pelo sumiço de um Pen Drive de milhões de dólares.

— Pedro? — Chamo, mas não tenho retorno, então continuo adentrando.

O som de cordas de violão dedilhadas emana do segundo andar, então eu sigo para as escadas.

— Pedro? — chamo de novo. Nada.

A cada novo degrau que eu subo, o som se torna um pouco mais alto, agora já posso ouvir a voz rouca e inconfundível do meu ex-namorado. Meu estômago gela. As escadas dão em um bar chique, com muitas bebidas caras, e eu vejo Pedro pela porta de vidro.

Ele está sentado no chão do terraço, acompanhado do seu violão, uma garrafa de uísque e uma caderneta que me faz supor que ele esteja compondo. Eu apenas o assisto em silêncio por alguns instantes e sorrio sozinha, observando o momento tão íntimo em que a mágica acontece.

Como se pudesse sentir minha sombra, Pedro para de tocar e me encara.

— Tiete? — Levanta uma sobrancelha. — Eu pensei que seria a Giovana. O que tá fazendo aqui?

— A Gi tinha um compromisso, e o Ian disse que isso aqui era inadiável. — Puxo o Pen Drive do bolso do jeans. — Desculpa a invasão. Não queria atrapalhar o seu momento, mas o porteiro me deixou entrar, então...

Sacudo os ombros.

— Relaxa. Eu estava mesmo precisando de uma segunda opinião nesse som que eu estou fazendo. Senta aí.

— Não! Eu só vim pra... eu tenho que...

— Senta logo! — Ele interrompe. — A menos que queira perder o melhor pôr do sol da cidade.

Ele não está mentindo. O céu de Los Angeles está alaranjado, colorindo a cidade que se estende como um tapete sob os nossos pés. Eu sorrio com a imagem. É uma proposta tentadora, mas...

— Eu realmente preciso...

— Relaxa, tiete — Pedro me interrompe outra vez —, eu não mordo.

Reviro os olhos. A parte ridícula é que a ideia da mordida nem me parece tão inconveniente assim. Pedro desvia o olhar do meu e volta a dedilhar o violão. Talvez porque vê-lo tocar seja tão intimista e encantador, eu acabo ficando para assistir.

Sua voz rasga as notas do violão com suavidade.

— O primeiro tiro foi dado e eu não vi, o seu olhar é um aviso de cuidado e eu não li... — Pedro me encara brevemente. — Não... Em silêncio, eu espero o seu próximo movimento, se quiser desistir então esse é o momento, ou talvez seja tarde demais...

Sinto isso com cada molécula do meu corpo: é tarde demais.

Agora estamos numa arena e você está fazendo uma cena, isso é jogo sujo. Eu só tento ser legal, mas você insiste que isso é uma batalha. Já chega atirando em mim, como se quisesse ganhar uma medalha. E eu sei, eu disse "guerra é guerra", e é sério, eu falei sério... mas eu cansei de brigar então senta aqui.

A última parte não faz parte da música. Eu sei porque foge do tom, e o Pedro não é do tipo que foge do tom. Um riso me escapa.

— Você tem que parar de escrever músicas sobre mim — falo.

Pedro ri também. Deixa o violão de lado para pegar um cigarro.

— Tava tão óbvio assim? — Eu balanço a cabeça. — Então o que me diz? Acho que mereço uma trégua.

Solto um suspiro longo, percebendo que não consigo ficar irritada quando ele está usando a voz bonita pra cantar ao invés de falar bobagem.

— Trégua. — Eu cedo, sentando no espaço vazio ao lado dele.

💖
Ai ai , o que será que vem dessa trégua aí, hein? O q me dizem?

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Ninguém mais que nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora