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A funcionária da cafeteria é gentil o suficiente para me oferecer um copo de água e perguntar se está tudo bem. Eu não digo o que aconteceu, não saberia por onde começar, mas aceito a oferta e me sento lá dentro, deixando as lágrimas estancarem naturalmente.

Só queria que Thomas estivesse aqui. Ele me abraçaria e me faria sentir segura, e ele, ao contrário de mim, saberia o que falar e como agir. É por isso que pego o celular e ligo para ele. Foi bobagem minha não ter mencionado o aparecimento do Pedro antes. A gente sempre contou tudo um pro outro. Mais que namorados, sempre fomos melhores amigos.

Enquanto ouço o ressoar das chamadas, estou decidida a contar toda a verdade, sem esconder nenhum pedaço: o meu ex, o meu chefe, a minha demissão, tudo isso conectado de alguma forma. Chama, chama, chama, mas ele não atende. Já é tarde em Nova Iorque, talvez Tom esteja dormindo. Eu tento outra vez, mas ele continua sem atender. Não vou insistir mais.

Eu quero o Thomas, preciso dele, mas, na sua ausência, só existe uma pessoa nessa cidade em quem eu sinto que posso confiar. Ligo para Sarah, e ela atende imediatamente, afinal, vive com o celular à mão.

Não preciso falar nada. Minha amiga escuta o choro e logo sabe que eu preciso de ajuda.

— Onde você está?

— Na Audrey Hepburn — respondo.

— O quê?

— Na estrela — explico, fungando. — Estou na estrela da Audrey Hepburn. Eu nem vi pra que lado fica. Tem uma Starbucks em frente.

— Tá, me espera aí.

Menos de 30 minutos depois, ela aparece na porta da cafeteria. Seria impossível chegar tão rápido de transporte público, então imagino que tenha vindo de táxi, que é o mesmo meio de transporte que usamos para voltar para casa.

No banco de trás, eu me aninho em seu ombro e Sarah me abraça.

— O que aconteceu?

Não sei por onde começar, então começo pelo final:

— Dei uma bofetada na cara do meu chefe.

— Você o quê!? — Ela desafina, meio chocada, meio que dando risada.

Talvez um dia eu vá contar a história e achar graça, mas no momento é tudo tão constrangedor, e humilhante, e obsceno, e traumático.

— Foi depois que ele deu um tapa na minha bunda — explico. — E fez algumas insinuações sexuais bem explícitas.

— O desgraçado te assediou? — Agora o seu tom muda completamente, qualquer rastro de graça é substituído por indignação.

Eu não tinha pensado nessa palavra, para ser sincera. Não foi a primeira vez que um homem tentou me tocar contra a minha vontade. Eu tinha apenas quinze anos quando Ricky Malost praticamente roubou o meu BV. O patriarcado condiciona a gente a normalizar alguns comportamentos, mas não tem nada de normal no que aconteceu comigo essa noite.

— É — concordo. — Acho que foi exatamente o que ele fez.

— Mas que filho de um canalha! A gente devia expor esse desgraçado! Acabar com a carreira dele!

Eu chacoalho os ombros. Sarah tem sangue quente, coloca os pés pelas mãos. Eu posso até ser impulsiva às vezes, mas nesse caso hesito. Não sei se quero levar nada disso adiante, acho que só quero esquecer do que aconteceu.

— A gente pode beber algo bem forte e não falar mais desse assunto?

— Se você quer desse jeito — ela concorda, mas não demora mais que dois minutos até a língua destravar. —Sendo sincera, fico com tanta raiva porque eu passei por umas merdas também.

Ninguém mais que nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora