Acordo num quarto grande que não é o meu. A cabeça lateja quando abro os olhos. A luz do dia penetrando pela fresta entre as cortinas pesadas. O lençol macio tem cheiro de perfume amadeirado e cigarro. Tateio o espaço vazio ao meu lado, mas Pedro não está.
Demoro alguns instantes para tomar ciência do meu próprio corpo. Eu estou usando uma camiseta limpa dele, e — percebo — nadinha de nada lá embaixo. As memórias da noite anterior voltam em vultos turvos. Lembro do momento em que Pedro tirou minha calcinha, mas eu não faço ideia do que rolou depois e de como cheguei aqui.
Arrasto os pés para o tapete felpudo ao lado da cama. O ar condicionado me faz tremer um pouco, então abraço meu próprio corpo. É nesse instante que a porta branca é empurrada com cautela. Eu olho para a entrada, Pedro me vê e pressiona os lábios em um sorriso hesitante.
— Você tá acordada... — Assinto, ainda sonolenta e confusa demais para dizer qualquer coisa. — Achei que estaria com fome, então pedi um hambúrguer.
Noto a logotipo do Mc Donalds na sacola parda que ele deixa sobre a mesa de cabeceira, depois senta na poltrona perto da janela.
— Hambúrguer às nove da manhã?
— Na verdade já são onze e meia. — Ele ri baixo, apoiando os cotovelos no joelho para se inclinar em minha direção. Está usando calça jeans e nenhuma camiseta, de modo que as tatuagens ficam em evidência. — Mas tudo bem se quiser outra coisa. Eu posso...
Ele já vai pegando o celular na intenção de pedir outra coisa.
— Hambúrguer tá ótimo. — Esfrego o rosto, deixando escapar um riso nasal. Percebo os dedos sujos de rímel preto e tinta em pó. — Mas acho que eu preciso de um banho primeiro.
— O banheiro é ali. — Ele aponta com a cabeça para a porta atrás de onde estou. —Tem shampoo, sabonete e uma toalha limpa no box. Vou estar no terraço se precisar de alguma coisa.
— Obrigada.
Eu demoro uns bons trinta minutos debaixo do chuveiro, mesmo assim, quando saio, tenho a impressão de que ainda vou encontrar tinta em pó no cabelo pelos próximos dois meses.
Visto a mesma blusa dos Rolling Stones com a qual acordei. Fico satisfeita ao perceber no espelho que é comprida o suficiente para encobrir meu traseiro, já que continuo não encontrando minha parte de baixo. Pego o hambúrguer na cabeceira e então sigo para o terraço atrás de Pedro.
Ele está sentado na mesinha perto do parapeito. Um copo de café numa mão, o cigarro na outra, os pensamentos perdidos na paisagem urbana. Eu me aproximo devagar, como que andando numa corda bamba. É um equilíbrio tênue de não saber em que pé estamos agora.
— Algum paparazzi à vista? — Brinco para quebrar o gelo, deixando a sacola na mesa de ferro.
— Hoje não. — Os olhos verdes sondam minhas pernas expostas, subindo pelo tronco antes de estacionar de encontro aos meus. Ele afasta o cigarro dos lábios e solta a fumaça devagar. — Acho que dei conteúdo suficiente para os tabloides no show de ontem.
— Nem me lembre do show do ontem. — Solto um grunhido longo, puxando a camiseta para baixo na hora de sentar. Essa coisa de não usar calcinha é muito desconfortável. — Suas fãs devem estar comendo meu fígado com azeite na internet essa manhã.
— Depois de tudo que você bebeu ontem, não acho que comer seu fígado seria a ideia mais inteligente.
Ele ri e fuma outro trago. Estou atenta a cada detalhe desse equilíbrio delicado, tentando entender se ele está me atacando agora, ou se estamos tendo uma conversa amigável.
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Ninguém mais que nós dois
ChickLitAo abrir mão de sua vida pacata para trabalhar e cursar faculdade, a aspirante a jornalista Julie Affonse irá descobrir que, na frenética Los Angeles, nem tudo será tão fácil quanto esperava. Mas, de todas as coisas que poderiam dar errado, ela não...