Ninguém mais que nós dois

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Quando piso o primeiro pé para dentro do alojamento, é oficial: sou uma universitária. Isso é assustador e excitante ao mesmo tempo.

Os corredores internos são amplos o suficiente para que eu arraste as malas enormes, uma de cada lado; o teto é alto e, embora tenham dois elevadores, eu prefiro fazer a subida de escada. Odeio a ideia de ficar confinada. Arrasto com dificuldade as malas pelos degraus, é no segundo andar que eu ouço as vozes conhecidas ecoarem uma discussão indiscreta.

— Você tem muita coragem mesmo — é a voz de Ricky Malost. — Eu mandei você tirar esse bebê três anos atrás, você não tem o direito de aparecer aqui agora e me pedir qualquer coisa.

— Sei que você não escolheu colocar essa criança no mundo, Ricky — Yumi responde —, mas está aqui e é seu filho!

— Será? — Sua voz soa cínica. — Porque podia ser filho de muita gente. Você deu pra pelo menos a metade de Santa Barbara, não deu, Yumi? Talvez devesse fazer um teste de DNA e outro de DST.

— Vai pro inferno, Ricky! Eu me virei esse tempo todo sem um centavo seu, não preciso disso agora. Só achei que devia saber que botou um filho no mundo.

Uma porta bate. Eu tento escapar a tempo, mas não consigo, as malas pesadas interferem na minha agilidade. Yumi surge na dobra do corredor e dá de cara comigo. Acho que todo o sangue me foge do rosto.

— Parece que viu um fantasma — Yumi fala, sem me ignorar dessa vez. A criança está com o rosto enfiado em seu cabelo, talvez dormindo, talvez com medo. — Relaxa, esse encontro não vai se repetir. Tô voltando pra Nova Iorque no próximo voo.

Ela passa por mim, seguindo para o elevador. Eu não reajo. Estou imobilizada pela surpresa. Quando consigo finalmente abrir a boca, ela já desapareceu. Somo 1+2 e percebo que Yumi vai estar no mesmo avião que o Thomas dentro de uma hora. Penso por mais um instante e me dou conta de que ela vai morar na mesma cidade que ele.

Posso estar sendo um pouco irracional, mas considerando nosso histórico de relacionamentos tão confuso e embaralhado, acho natural que eu fique enciumada com a ideia. Agora meu estômago está dando cambalhotas.

Só preciso de silêncio para digerir o que acaba de acontecer, mas, azar o meu, a minha colega de apartamento é a pessoa mais barulhenta e faladeira que poderia cruzar o meu caminho.

Quando eu abro a porta, ela está sentada no sofá, com as pernas apoiadas sobre a mesa de centro e o celular na palma da mão. Ela ergue os olhos pra me encarar e então salta, animada.

— Você deve ser a Julie! — Trata de me abraçar, evidenciando a diferença de altura entre a gente.

Ela é alta e tem a estrutura óssea de uma modelo de passarela, contornada por uma pele negra viçosa e amplos cachos despencando nos ombros.

— Você deve ser a... — Estreito os olhos, porque o nome constava na ficha que a universidade me enviou por e-mail, mas não prestei atenção o suficiente.

— Sarah Palmer! — Se apresenta. — Eu estou nesse apartamento há um ano, então deixa eu te mostrar como fazemos as coisas por aqui. — Vai entrando, eu sigo logo atrás. — Desse lado tem a nossa humilde cozinha — fala apontando pro seu lado direito, onde eu observo uma geladeira, um fogão, uma pia, e uma pequena mesa para duas pessoas. — Mas se você cozinhar é melhor ser bom, e me chamar pra comer com você, ah, e não se esqueça de lavar a louça depois! — diz com uma breve risada, mas logo depois fica séria. — Essa porta aqui é o banheiro. — Ela aponta agora para o lado esquerdo. — É bom você manter limpo, o apartamento é pequeno, ninguém merece que fique fedendo! — Ouço atentamente enquanto ela fala, e deixo que a mochila pesada em meu ombro escorregue para o chão de assoalho, ela agarra logo em seguida e sacode a cabeça em negativa, caminhando para a próxima porta. — O seu quarto é esse aqui. — Ela atira a mochila desajeitadamente sobre a cama arrumada. — Tente manter a sua bagunça aqui dentro, eu pago mais caro por um apartamento com dois dormitórios pra não ter que lidar com a bagunça alheia. — Sorri. — Alguma dúvida?