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Assim que chego ao convés, a brisa gelada e úmida atinge meu rosto. Os cabelos esvoaçam, e eu abraço meu próprio corpo, deslizando as palmas das mãos pelos braços expostos.

Debruço-me sobre o parapeito, admirando a escuridão infinita ao nosso redor. Assim, no meio do absoluto nada, as estrelas brilham como milhões de pingentes luminosos no céu.

No silêncio pacífico da solidão, os meus pensamentos fazem barulho. Eu não queria estar me mordendo de ciúme do Pedro, mas não consigo evitar. Ele é como a maçã do jardim do éden: tão proibido, quanto tentador. E, por mais que eu tente, não consigo parar de pensar nele.

Quando acho que estou a ponto de conseguir, ouço o ecoar dos passos seguindo as minhas pegadas na escada. Viro para olhar, e claro que seria o próprio Senhor Eu-Beijaria-A-Sarah.

— O que você quer? — pergunto seca.

— Vim ver se você está bem — diz, se aproximando. — E eu precisava fumar um cigarro também.

Pedro saca o maço do bolso do jeans, e enfia um na boca. Em seguida estende o maço como uma oferta. Faço que não com a cabeça, então ele volta a guardá-lo, e se apoia ao meu lado, acendendo o isqueiro.

Em silêncio, observo a fumaça branca escapar por entre os lábios convidativos, sendo trazida em minha direção pela brisa, como um presente. Daria qualquer coisa para não sentir vontade alguma de degustar o sabor do cigarro diretamente da boca dele, porque eu sei que é um erro.

— Tem certeza que não quer um trago?

— Absoluta.

— Então por que tá olhando tanto? — Levanta uma sobrancelha.

— Tô pensando que isso ainda vai te matar — minto.

Se bem que facilitaria muito as coisas para mim se Pedro acabasse deformado e sem dentes, como o cara na foto do maço, mas, atualmente, ele é lindo, e fica ainda mais bonito com esse cigarro preso entre os lábios, então, é melhor pra nós dois se ele não fumar.

— Então agora você se importa se eu morrer? — Ele ri, afastando o cigarro da boca. — Porque você já desejou a minha morte umas três vezes nos últimos dias.

Ele fica incrivelmente lindo quando ri. Ainda mais bonito do que fica fumando um cigarro. Pedro fica lindo de qualquer jeito, mas ele é o tipo de cara lindo que você nunca vai dizer na cara dele o quanto é lindo, porque ele também é ridicularmente convencido e eu me recuso a inflar o seu ego de superestrela ainda mais.

— Se você morrer, eu não vou poder fazer da sua vida um inferno.

— Sério? — Ele gargalha alto. — Você quer mesmo continuar brincando de inimigos mortais? Porque fiquei com a impressão de que eu tô vencendo nessa nossa guerrinha particular.

—Não é uma brincadeira! — Minha voz vem carregada de raiva. Como é que Pedro consegue inflamar as minhas veias de fúria desse jeito? — É só que... nossa... como odeio você!

Pedro sacode a cabeça e fuma um trago longo antes de voltar a me encarar. A profundidade nos olhos verdes parece capaz de me ver até mesmo por dentro.

— Você não me odeia, Julie. — Ele é seguro e convicto. — Você quer me odiar, é diferente. E você quer me odiar porque tem medo de que, se não odiar, vai acabar descobrindo que ainda gosta de mim.

Ele está errado. Do começo ao final. Cada sílaba da sua teoria está errada. Porque sim, eu o odeio, e odeio muito, e eu o odeio justamente porque já descobri que não consigo evitar: ainda gosto um pouco dele.

Talvez por não saber lidar com esse sentimento, eu apenas debocho, engrossando a voz para imitar a maneira pretenciosa com a qual meu ex-namorado fala.

Ninguém mais que nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora