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O som da campainha me desperta para o cheiro de cigarro impregnado na pele quente sobre a qual meu rosto está apoiado. Nunca foi minha intenção dormir aninhada no peito de Pedro depois de transarmos e dividirmos uns tragos, mas a Sarah não voltou com o carro dele e acho que nós dois acabamos pegando no sono enquanto esperávamos. Agora a claridade denuncia que o dia já amanheceu.

— Que horas são? — pergunto baixinho, meus dedos correndo pela tatuagem em seu abdômen.

Pedro resmunga, sonolento, mas puxa o celular para checar.

— Tá cedo... dorme mais um pouco.

Ele vira e me envolve nos braços. Por um único instante me concentro nisso: A sensação de calor onde seu peito toca as minhas costas, a respiração morna soprando minha nuca, os dedos calejados de guitarra correndo pelos braços.

Estou quase sendo absorvida de volta para a terra dos sonhos quando a campainha toca outra vez, me trazendo à vida real contra a vontade.

— Acho que a Sarah esqueceu a chave de casa — reclamo, mas não faço nenhuma menção de levantar. Está confortável demais dentro dos braços dele.

— Você quer que eu abra? — Pedro pergunta.

Solto um suspiro longo. Eu ou ele, não faz diferença a essa altura. Em qualquer um dos casos, isso significa me afastar desse abraço.

— Tudo bem. — Me desvencilho do corpo quente. — Eu abro.

Sinto a cabeça pesada e sonolenta ao levantar. Pedro segura minha mão, como se a ideia de eu ir para longe lhe parecesse tão cruel quanto parece a mim. Ele está me olhando da cama, seminu com os cabelos bagunçados, é uma visão do paraíso, ou ao menos, a visão do homem que me levou ao paraíso na noite passada.

— Não vou demorar, prometo.

A campainha toca de novo, e ele me solta, contrariado.

— JÁ VAI! — grito, então corro para a sala sem me importar em colocar uma camiseta. Estou somente de short curto e sutiã. A campainha toca pela quarta vez. — Eu já disse que estou indo, Sar...

A frase morre num engasgo ao abrir a porta. Sou só um par de olhos arregalados e músculos paralisados enquanto encaro o sorriso inseguro que Thomas me lança.

— Surpresa!? — Ele se arrisca.

Faz menção de entrar, mas eu apoio o braço no batente, impedindo o caminho da porta. Ele não pode dar um passo para dentro desse apartamento. Não quando Pedro está sem roupa no quarto.

— O que você está fazendo aqui? — É a única coisa que eu consigo elaborar. Claro que Thomas não fica feliz com a reação, mas o que ele esperava? Fogos de artificio?

Eu disse que precisava de tempo, não que ele atravessasse o país para bater na minha porta de surpresa.

— É que você... — ele coça o cabelo, constrangido. — Você disse que queria de presente que eu viesse pra Los Angeles, então comprei uma passagem pra te visitar no meio do semestre... era pra ser seu presente de aniversário, então... surpresa.

Ele balança as mãos, mas não parece animado. Tenho a impressão de que está tão embaraçado com a situação quanto eu.

— Thomas...

— Tudo bem... foi antes... pensei em cancelar a viagem, mas a gente precisa conversar, né? — Assinto.  — Posso entrar?

Olho para trás. Claro que ele não pode. Eu sei que em teoria eu pedi um tempo, em teoria não estamos namorando, não estávamos namorando na noite passada, mas a teoria não é a prática. E, na prática, ainda sinto como se Thomas estivesse prestes a descobrir uma traição. E a última coisa que eu quero no mundo é partir o coração dele desse jeito. Do jeito que Pedro partiu o meu.

Ninguém mais que nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora