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Ao acordar, estou espatifada no sofá da sala, o corpo torto e dolorido. A luz do sol invade as janelas, fazendo a cabeça latejar. Sarah está largada ao meu lado, com as pernas longas se embaraçando nas minhas.

Eu estico o braço e tateio a mesinha de centro, encontrando duas ou três garrafas vazias antes de finalmente achar o celular. Checo o horário.

— Merda! — Levanto num salto que faz com que minha amiga escorregue e acabe espalhada no chão de carpete. Ela resmunga alguma coisa, mas continua sem acordar. — Merda! Merda!

Corro de um lado para o outro da casa, tentando me concentrar na ordem que devo fazer as coisas. Eu perdi o horário da primeira aula e já estou quase atrasada para a segunda, não vai dar tempo de tomar café, então vou direto para o banheiro.

Levo um susto com a minha própria imagem refletida no espelho. Meu cabelo está todo imbramado, meu rosto, inchado e borrado de maquiagem, e eu nem vou mencionar o estado das roupas. Enquanto desembaraço o cabelo longo com uma escova, amaldiçoo mentalmente as garotas de filmes que acordam sempre atraentes. Eu estou um bagaço.

A ducha fria me obriga a despertar, e eu visto as calças enquanto escovo os dentes e envio uma mensagem para Thomas, tudo ao mesmo tempo. Sarah, por sua vez, continua inerte no carpete, com o rosto enfiado na almofada, sem sequer notar a minha movimentação.

Dou um chute de leve para averiguar se continua viva. Pelo resmungo ininteligível que lhe escapa os lábios, eu imagino que sim.

— Anda! Você vai perder a aula! — aviso.

Ela só resmunga qualquer coisa que eu não consigo entender, mas interpreto como um "me deixa", então é o que faço. Apanho minha bolsa no gancho, uma maçã na fruteira e me apresso para as escadas.

Devoro a fruta enquanto atravesso o jardim universitário em passos ágeis. Thomas ainda não me respondeu a mensagem, e eu não falo com ele desde a tarde anterior. Sarah tem sido um ombro amigo e tanto, mas preciso desabafar com meu namorado, então aproveito os minutos de caminhada para discar o número dele.

Chama somente duas vezes.

— Alô? — Uma voz feminina atende do outro lado. Eu checo a tela do celular, confusa, me certificando de que liguei para o número certo. E eu liguei para o número certo. — Alô!? É a Julie?

A consciência me atinge como um piano caindo do vigésimo andar, direto na cabeça. O baque faz o celular escorregar da minha mão, colidindo no asfalto. Eu poderia reconhecer essa voz de muitos lugares, mas sei exatamente de onde: dos meus piores pesadelos.

O que diabo Yumi Sakai está fazendo com o celular do meu namorado? Aliás, o que ela está fazendo com o meu namorado? De manhã? Num dia de semana? Abaixo para pegar o aparelho no chão, mas ele desligou com o impacto. Quando tento ligar, descubro que está quebrado.

— Como se a minha vida não pudesse ficar pior — penso em voz alta e ataco o celular no chão outra vez, só de raiva.

O carma é mesmo uma vadia ingrata, e eu devo ter sido uma pessoa muito cruel na minha vida passada. Só quero que essa semana maldita acabe logo.

— Tudo bem por aqui?

Subo os olhos. Uma garota de rosto redondo e cabelos loiros curtinhos se aproxima com um sorriso gentil, ajeitando o enorme par de óculos. Solto um suspiro longo. Normalmente eu não despejaria todos os problemas da minha vida numa completa estranha, mas acho que estou exausta demais para me importar com o fato de parecer louca.

— Nas últimas 24 horas, meu ex-namorado famoso ressurgiu dos mortos, meu chefe me assediou, eu perdi o emprego, acabei de quebrar o celular e, ao que parece, o meu namorado está me traindo em Nova Iorque com a garota que tirou a virgindade dele, então... não. Eu não diria que estou bem.

Okay... — Ela arregala os olhos castanhos. Seu rosto não me é totalmente estranho, agora pensando bem. — Eu pensei que estava tendo um dia ruim, mas você acabou de me destronar.

— O que aconteceu? — pergunto, tentando retribuir a gentileza.

— Meu namorado acabou de me dizer que precisa de espaço... de espaço — ela repete com ênfase. — Como se as milhares de milhas entre Los Angeles e Chicago já não fossem "espaço" o suficiente.

— E o que você respondeu?

— Eu gentilmente sugeri que ele fosse pro inferno. — Dou risada, enfiando o celular quebrado na bolsa. — Você está indo para a aula de teoria da comunicação?

Sinto como um estalo ao me lembrar de onde a reconheço.

— Você faz essa aula também, né? — Ela assente. — Eu te vi na semana passada.

— Beatrice Ross —se apresenta, estendendo a mão.

— Julie Affonse — respondo o cumprimento, e então seguimos para a aula juntas.

A manhã passa se arrastando. Eu fico checando o celular quebrado de minuto em minuto, esperando que ele, por algum milagre, volte a funcionar e surja com uma notificação de mensagem do Thomas, mas não acontece. Isso me deixa ansiosa e inquieta.

Beatrice me convida para almoçar com ela depois da aula. Penso em pedir o celular da minha nova amiga emprestado, mas, honestamente, eu quero mesmo mandar uma mensagem para o Thomas? Quero mesmo avisar que quebrei o meu? Quero contar tudo o que aconteceu com Bertrand, e o meu emprego, e o Pedro?

A resposta é: quero, mas não me permito. O que quer que Thomas estivesse fazendo com Yumi Sakai, ele sabia que estava cruzando uma linha perigosa e decidiu cruzá-la assim mesmo. Pensando bem, que bom que o celular quebrou. É a vez dele de ficar angustiado tentando falar comigo e não conseguir.

Sei que é um orgulho bobo ao qual me apego, mas orgulho parece ser a única coisa intacta que me restou.  Eu precisei dele. Ele estava com ela. Ele nem sequer retornou a minha ligação ontem à noite. 

Seria mentira dizer que não estou magoada.

Eu o flagrei por duas vezes em contato com a Yumi. Aposto que não foram as únicas vezes, eu não teria tanta sorte assim. Milhões de pessoas em Nova Iorque e ele resolve se encontrar logo com a ex namorada?

Não ligo se eles ficaram por umas semanas, ou se ele garante que nunca gostou dela.Esse não é o ponto. Thomas sabe as porcarias das minhas inseguranças. Parece até que as está usando para me atingir de propósito, e eu o odeio por isso.


Será que o Thomas tá aprontando em NYC? 👀

♥Será que o Thomas tá aprontando em NYC? 👀

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