A culpa

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— Vai pro infer-

Sasuke não terminou de falar, pois ela o beijou. Isso, Sakura Haruno beijou Sasuke Uchiha. Mas não se engane, foi um mero truque. Obviamente, ele não correspondeu, e se assim fizesse, Sakura morderia sua língua, já que a intenção não era beijá-lo, e sim fazê-lo engolir um comprimido que o deixaria sem movimentos temporariamente. E ele engoliu. Assim que o fez, Sakura afastou sua boca da dele e o olhou de um jeito sapeca.

— Bobalhão — saiu de cima dele. Sasuke percebeu que havia engolido algo e inutilmente tentou regurgitar, mas já era tarde, o remédio já fazia efeito, tanto que só deu tempo de ele sentar-se na cama e se apoiar no criado mudo para não cair. Suas pernas ficaram dormentes.

— Filha da-

— Minha mãe não tem nada a ver com isso — empurrou-o de volta para a cama.

Foi no banheiro, desinfetou as mãos e colocou suas luvas. Sasuke tentava a todo o custo se mexer, mas era inútil.

— Agora que nem a boca você consegue mexer, eu posso falar sem ouvir sua voz de morto me interromper — sentou-se na beirada da cama com os instrumentos no colo. Começou limpando toda a região dos olhos do Uchiha e cobriu com gazes a área em volta para que qualquer líquido que escorresse não sujasse seu rosto. — Não vai demorar e nem doer — garantiu. — Vou prender suas pálpebras e pingar colírio para sua córnea não ressecar, ok? — Prendeu os cabelos num coque e começou a examinar; de tempo e tempo, pingando colírio. Austera e concentrada, ela mantinha um semblante maduro que deixou Sasuke mais relaxado. Ele não enxergava quase nada, mas do pouco que via, sabia disso: ela estava se dedicando no que fazia. — Pronto — disse depois de pouco tempo. Ele não acreditava que seu problema era assim, tão simples e rápido de resolver. Só pensava, indignado, em como Karin era uma incompetente e que o deixara mal enxergando um palmo a sua frente. Ou a ruiva era muito inútil, ou Sakura era tão talentosa quanto a lenda dizia.

Quando ela voltou do banheiro, estava sem as luvas e com os cabelos caídos nos ombros. Estava séria. Deixou os instrumentos que usou separados para desinfetar e informou que dali uns dez minutos os movimentos dele voltariam ao normal, em seguida sentou-se no outro lado da cama e suspirou pesado.

— Não gosto de ficar sozinha com você — confessou. Sabia que se ele pudesse respondê-la, diria "igualmente", e ela não se ofenderia. — Não te odeio, Sasuke. Eu tenho raiva de você, mas não te odeio. Ódio é uma palavra muito forte, é um sentimento muito forte. Não te acho merecedor de ocupar um espaço tão grande na minha mente como o de uma pessoa odiada — riu pelo nariz. — Provavelmente eu vou me arrepender amanhã de ter te contado isso, só que não terei mais coragem de falar depois. Você decerto não deve se importar com meus sentimentos em relação a você, ou a razão pela qual os adquiri, e seu azar é que sou uma pessoa justa e quero deixar claro o porquê de toda essa raiva — suspirou novamente. — Você não me deu uma alternativa, simplesmente isso. Eu não tive escolha nenhuma além de nutrir uma mágoa muito grande por você. Por anos, você foi o centro da minha vida e da vida do Naruto. Sabe o que é viver por alguém? Não é o mesmo que sobreviver para matar alguém, como você vivia. É acordar todos os dias tentando fazer melhor ou fazer diferente para estar mais próximo desse alguém. Cada evolução, cada luta, cada missão, quando concluídas, eu só conseguir pensar "estou mais perto dele do que estava ontem", e vivi assim por anos. Compensando cada lágrima e cada gota de suor com a tola esperança de te ver de novo. Eu nunca pensava em mim, ou nos meus pais e amigos... Era uma vida vivida para alcançá-lo. E quer saber? Foi inútil. O Naruto acha que você estar aqui é um "final feliz", mas eu sei que não. Fracassamos. Ele não vê como eu vejo, sabe. Você nunca nos amou, nunca nos esperou, nunca lutou por nós. Pode demorar, mas chega um momento em que de tanto se dar, você fica vazio, e eu fiquei oca por você, Sasuke. Oca como uma árvore velha. Mas agora eu estou bem. Eu estava indo muito bem, na verdade, até você voltar. Me desestabilizou um pouco, sim, não consigo evitar, mas eu estou bem com as escolhas que fiz depois que você foi preso. Foi um alívio para mim. Você não tinha morrido, mas era como se fosse. Todo aquele peso nas minhas costas, a cobrança, a culpa, a corrida, o tempo... Tudo parou quando você foi preso e eu fiquei feliz. Me assustei por estar feliz, mas fiquei, sim. Você sempre foi uma sombra na minha vida. Para cada lembrança boa com você, eu tenho dez terríveis. Te amar não era mais uma questão de falta de controle pelos meus próprios sentimentos, era burrice, então, preferi fingir te odiar por tudo isso. Funcionou, pois como eu disse, agora estou bem. Consigo ficar aqui, trancada em um quarto com você, dizer tudo isso sem chorar, ou vacilar, ou me pegar pensando o que você está pensando de mim, se eu sou muito irritante... Eu não estou mais nem aí, Sasuke — olhou para a janela. — Quando se ama tanto assim em vão, você se pergunta muitas vezes qual o sentido de tudo. Você se pergunta o quanto deve ser bom, quando tudo o que recebe em troca é ruim. E minha troca tem sido não injusta pelo que já fiz de bem pelos outros que às vezes eu acho que — respirou fundo. — Às vezes eu acho que deveria estar morta — e voltou o olhar para ele com um sorriso falso. — Usei todos esses sentimentos para acabar com aquele amor platônico que nutria por você. Já eram oito anos de rejeição, eu tinha que deixar de lado. Além de você não ligar para mim e ter tentado me matar três vezes, você era um criminoso, fugitivo, fez coisas inadmissíveis... Não era o mesmo Sasuke. A estratégia funcionou e cá estou eu, livre de qualquer sentimento afetuoso por você — riu levantando-se. — Gostou dessa historinha? Espero que sim. A idade também me ajudou a ver que o que faz um homem não é só a beleza, é o caráter e a personalidade, e a sua não me agrada em absoluto — confessou enquanto andava pelo quarto. — Já consegue se mexer? — Sasuke mexia um pouco a cabeça, a ponta dos dedos das mãos e dos pés, aos poucos ia voltando.

Sakura escovou os dentes, lavou as xícaras de chá que estavam na cozinha e quando voltou, Sasuke já estava sentado, ainda meio mole, mas já se movia. Sakura ria internamente enquanto o olhar dele estava cheio de ódio.

— Ele não vai gostar de saber — disse vagarosamente.

— Quem?

— Naruto.

— Não fiz nada de errado com você. Por que ele ficaria bravo?

— Ele gosta de você.

— Ah, ta — riu sem graça. — Ele não gosta de mim, ele é só muito protetor e acaba sendo ciumento. Além de que, você não contaria... — referiu-se ao beijo.

— Só se ele perguntar.

Ela o encarou, entendendo o que ele queria dizer. Sorriu mais ainda se recompondo e rebatendo.

— Ino também não vai gostar de saber do meu método de medicação.

— Eu não tenho nada com a Ino.

— E eu, não tenho nada com o Naruto.

Ele se levantou, arrastando as pernas em direção ao banheiro, se apoiando com uma mão e com a outra pressionando os olhos. Fez sua higiene noturna rapidamente e voltou para o quarto, sentia-se drogado. A encontrou vestida com uma camiseta do Naruto e um short de flanela. A camiseta era quase transparente, deixava pouco para imaginar. Ele não tinha atração por Sakura, mas ele era homem, e homem se sentia atraído por seios, geralmente, não importava de quem fossem.

Sasuke tirou sua camiseta e deitou-se no canto da cama cobrindo-se rapidamente para caso um incidente natural ocorresse, ele pudesse disfarçar. Se Sakura percebesse, o mandaria dormir na sala e ele não queria isso.

Estava de costas, mesmo assim sabia que ela fechava as cortinas. Quando a luz foi apagada não demorou muito para ele perceber um peso a mais na cama. Não sabia se aquele era o momento certo de dizer:

— Sakura

— Fala.

— Minha visão está pior do que antes.

— Amanhã vai melhorar.

— Não confio em você.

— Eu disse que amanhã vai estar melhor, não pedi para confiar em mim.

— Depois de tudo o que disse, pode querer se vingar me deixando cego.

— Isso seria muito previsível — ela riu. — Ainda vou te matar, Sasuke.

— Aposto que sim — e ela voltou a rir da cara dele. Achava hilária a forma como ele lidava com as provocações dela.

— Só não te mato no meio da noite porque sei que você tem insônia e não vai dormir.

— Está cedo.

— Amanhã temos uma estante para montar, precisarei da sua ajuda vivo.

— A culpa não é minha.

— Que culpa?

— A sua culpa. A culpa sua e do Naruto.

— Sim — Sakura concordou —, éramos tolos.

— Algumas coisas não mudam.

— Como assim?

— Naruto continua sendo tolo e você continua sendo irritante.

— Só nas horas vagas.

— Não fuja do assunto.

— Já disse que...

— Sakura, não piore as coisas — falou sério e ela ouviu na mesma seriedade.

Um quarto escuro, dois corações batendo. Um homem e uma mulher, jovens, porém feridos. Ela virou-se para ele, mesmo no escuro podia observar o contorno do seu rosto de perfil, olhando para o teto. Seus lábios pareciam tão convidativos... Seu peito subia e descia num ritmo um pouco mais rápido do que o dela, ele parecia assustado, no jeito dele de estar assustado.

— Não há o que piorar. Conforme-se — disse virando-se de costas para ele e indo dormir com a consciência limpa sabendo que havia dito tudo o que ele precisava ouvir há anos.

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