Cap. 42

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Talita saiu da sala e colocou uma das alças da mochila no ombro direito. O utensílio não estava mais pesado, visto que era apenas semana de prova, então tudo que carregava ali era uma bolsinha com os lápis e afins, uma agenda para caso tivesse que fazer alguma anotação, e o livro de biologia, matéria esta que dominava perfeitamente e que acabara de ganhar uma ótima pontuação no exame. Pelo menos nos estudos tudo estava correndo bem, infelizmente não podia se dizer o mesmo de sua vida pessoal. Antes de vir para a escola, passara na casa da mãe para saber notícias de dona Cleuza, e segundo doutor Júlio, ela estava sendo devidamente cuidada e tinha grandes chances de sobreviver. Assim como Matilda, a garota estava em modo congelado, como se esperasse por qualquer acontecimento ruim desde o que houve com Tiago. Essa defesa psicológica contra a dor não era ruim de um todo porque isso as mantinha em alerta, porém, se afundar neste sentimento não era recomendável, muito menos saudável e parecia que era isso que Talita estava fazendo.

Caminhava sem pressa alguma pelos corredores vazios e parcialmente silenciosos. Não sabia se queria passar no hospital para ver se Ane estava precisando de algo ou só para ver Cleuza. Estava profundamente traumatizada com aquele ambiente mórbido mas sabia que por outro lado, também se tratava de um local de cura. Se tinha uma coisa que odiava, era ver seres doentes ou em sofrimento. Queria poder curar todos independente de merecimento. Por isso duvidava que pudesse existir um deus que os obrigava a renascer quantas vezes fossem necessárias para sofrerem sem cessar. Não via a reencarnação como uma boa oportunidade, enquanto para Ane era uma forma de se redimir e reencontrar as pessoas que amavam, para ela; não passava de um castigo ter que começar tudo de novo, e muitas dessas vezes em condições deploráveis. Queria mesmo que houvesse só uma vida e pronto, tudo seria mais fácil de entender. Entretanto, pensando melhor, seria injustiça viver uma vida boa, enquanto outros eram infelizes. Só vivendo mais de uma vez mesmo para equilibrar a balança. Além disso, as avaliações e expiações contribuíam para o aprendizado, desenvolvimento, aperfeiçoamento e evolução do espírito e ninguém saíria prejudicado, pelo menos na teoria do ponto de vista espiritual, na prática parecia completamente diferente ou impossível. A questão maior é ter que pensar que possuem livre-arbítrio e terão que lidar com as consequências de suas falhas em vidas posteriores em que a amnésia é necessária, consequentemente gerando uma revolta da sensação de estar sendo punido por algo que não se recorda, o temido karma de vidas passadas, então, a saída era absorver tudo de bom que conseguisse já que nada acontecia por acaso e tudo tinha um propósito edificante. Porém, cada um tinha sua própria maneira de enfrentar ou desistir da escola que era a vida.

Suspirou fundo, numa dúvida angustiante. As férias de julho pra agosto finalmente haviam chegado, porém, sem o ânimo do ano passado. Tião não estava mais ali para se divertirem nas exposições agropecuárias. Tirou a mão esquerda do bolso da calça jeans arrochada por conta de suas coxas grossas e fitou o anel de compromisso. Sim, o peão não estava mais consigo, mas ele tinha lhe deixado um presente maravilhoso com sardas e cabelo de um laranja escuro que lhe remetia a vida. Sua mãe estava coberta de razão. Não era muito de demonstrar seus sentimentos porque sentia como se algo a bloqueasse, no entanto acabava se apegando de maneira nociva as pessoas que gostava. Talvez, se passasse a demonstrar mais; o medo e a conturbação de perder quem amava terminaria por se dissipar.

Estava tão intensamente distraída em suas reflexões que acabou errando a porta e entrou no banheiro masculino. Voltou a si quando se deparou com Tiago encostado na pia com o choro enterrado entre as mãos. Ficou paralisada por alguns instantes e assim que conseguiu reagir, saiu praticamente correndo. Felizmente não houve tempo nem barulho para ele notar sua presença. Era isso que fazia desde que voltou da suspensão; evitava-o o quanto conseguia. Por sorte, eles não estudavam na mesma classe, já que ali as salas não eram separadas pelas primeiras letras do alfabeto mas por desempenho, sendo assim, Talita estava na A e Tiago na C. Caso houvesse alguma melhora, o aluno era transferido e assim acontecia ao contrário. Dona Marilene acreditava que a dificuldade de alguns não deveria atrapalhar o foco dos outros, e assim serviria como estímulo para o jovem se dedicar mais aos estudos.

Minha Cowgirl Favorita ( Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora