Cap. 36

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Ane passou o batom vermelho e corrigiu as falhas em seus lábios, admirando-se  demoradamente. Seus cabelos antes tingidos de castanhos claros, quase loiros, retornavam a tonalidade natural; ruivos expressivos. Quis tingi-lo novamente, mas Talita gostava de vê-la assim, e preferiu agradar a namorada, não por uma questão de submissão abusiva e sim porque sentia-se bem vendo-a satisfeita e por ela achá-la linda quando julgava-se feia muitas vezes. Parecia que havia algo inconsciente em si que fazia com que Ane renegasse sua cor enferrujada. Ajeitou os fios lisos na base, penteando-os com os dedos até a altura das pontas onduladas. Passou o vestido preto de saia rodada com as mãos por toda cintura, observando o decote ousado, dispensando qualquer adereço além do relógio dourado e uns brincos discretos da mesma nuance. Sua vó a convidara para jantar num restaurante no centro da cidade em pleno terceiro dia da semana. Não pôde recusar. Elas não estavam tendo muito tempo juntas. Tinha que admitir que seus dias em Vicente Diaz se resumia ao colégio e a Talita, e agora as tardes engrandecedoras ao lado de dona Cordélia quem tornara-se sua mentora encarnada. Não que não desse a devida importância aos ricos conhecimentos da sogra sobre a mediunidade, porém, na velha solitária moradora da casa no meio da floresta, encontrara tudo que necessitava para desenvolver seu dom sem o peso da religiosidade que Matilda possuía. Para ela, Cordélia era um exemplo claro de que nenhuma pessoa precisa estar vinculada a doutrinas para explorar sua espiritualidade e isso a motivava imensamente. Não acreditava no Deus cristão em que Matilda crê mas sim na força da natureza e num criador que não poderia ser limitado a um ser punitivo e separatista. Ane pensava que toda beleza da vida e da existência de Cristo foi terrivelmente deturpada pelos seus seguidores e sua intuição também lhe dizia que não poderia haver uma verdade única e universal mas partes de um todo que deveria servir para agregar. Não negava que Cristo foi de fato um espírito iluminado que encarnara na terra para ajudar a humanidade avançar moralmente, no entanto, assim foi com outros nomes relevantes como Gandhi, Osho, Chico Xavier, Calcutá e tantos outros que revolucionaram vários âmbitos da sociedade entre eles artistas, feministas, filósofos, médicos e assim por diante... Sendo assim, todos poderiam ser considerados deuses. Além disso, também estudava os dons paranormais de um ponto de vista científico graças às indicações de Flávia sobre as obras da codificação espírita lançadas após muita pesquisa de um professor francês e somava com qualquer conhecimento independente de religião que passasse por seu critério.

Saiu do banheiro, onde estava plantada em frente ao espelho, e sentou na cama para calçar as sapatilhas igualmente pretas com lantejoulas.

Logo que estava pronta desceu, e encontrou todo um grupo preparado na sala.

- Vocês também vão? - surpreendeu-se vendo Matilda, o marido e o filho, muito desconfiada daquilo.

- Mas o que é isso minha filha? - investigou Cleuza levemente indignada com o comentário irreflexivo da neta. - Isso é jeito de falar? Eles também são da família, ora!

- Não é nada disso vó! - irritou-se com a interpretação equivocada da idosa extremamente branca que também tem inúmeras pintas espalhadas pela pele, só que ao invés de laranjas, contrastam. Não pôde desconsiderar o quão elegante a avó estava com um coque cuidadosamente feito com um dos seus vestidos de sair da mesma cor violeta rara de seus olhos. - Só é algo que eu não esperava.

- É que fez uma cara de desapontada! - a velha sorriu e os outros três convidados a acompanharam.

- Pensei que fôssemos só nós duas. Estão comemorando alguma coisa que não sei? - questiona intrigada.

Matilda e Cleuza entreolham-se.

- Nada Ane! - a mulher morena  num fino vestido longo estampado com uma abertura discreta na coxa que realça sua beleza mestiça e os cabelos cacheados soltos, desconversa.

Minha Cowgirl Favorita ( Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora