Cap. 47

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Matilda terminou a maquiagem e saiu de frente da sua penteadeira. Estava de pé conferindo a bolsa quando seus olhos foram parar automaticamente na cesta de palha delicadamente enfeitada, repousada sobre sua cama cuidadosamente arrumada. Hesitou por um longo segundo. Olhou em direção da porta entreaberta e escutou Artur e Teodoro dando risadas descontraídas na sala. Eles estavam jogando videogame enquanto aguardavam que ela se aprontasse para o bendito almoço de comemoração de seu aniversário. Deu com os ombros e com voracidade sentou-se no leito de dormir. Se eles esperaram até aquele momento, poderiam esperar mais um pouco, o bastante para matar sua curiosidade de vez. Não conseguiria se concentrar na confraternização pois seus pensamentos continuariam direcionados para o misterioso presente de Dona Cleuza. Tirou a bolsa, deixando-a ao seu lado, pegou a cesta pondo em seu colo em seguida e desembrulhou a pilha alta e pesada com uma excessiva rapidez, sem se importar em rasgar um papel de presente tão bonito confeccionado com certeza pelas mãos de sua nora querida. Ficou surpresa com o que viu: diversos diários íntimos de sua patroa, título este que era plenamente ignorado por ambas as partes. Assim como Dona Cleuza não a tratava como uma simples empregada nem a enxergava assim, independente da educação e da gentileza que deveria ter por pessoas que a ajudasse nos afazeres domésticos; Matilda não se referia a ela como sua chefe, nem se sentia uma medíocre subordinada. Por vezes tivera a oportunidade de deixar aquelas terras e trilhar outros caminhos, inclusive quando se casou com Artur e este queria ir morar no Mato Grosso onde seus pais instalaram-se, mas ela negou-se de forma irredutível. Parecia que existia algo inconsciente dentro de si que a ligava profundamente ali no interior de Minas Gerais. Não imaginava outra pessoa morando com Dona Cleuza e cuidando de seus interesses, a não ser ela, e se tivesse optado por ir morar em outro Estado, Ane jamais teria tido contato com sua família. Sua intuição era sua melhor amiga e não se arrependia de exatamente nada.

Piscou voltando a si, e começou a ler os cadernos seguindo a ordem das datas para entender o que de fato significava aquele presente inusitado. Seu coração palpitava a ponto de infartar a cada nova frase lida, e não demorou para que sua face ficasse inundada pelas lágrimas. Naquela altura, Artur e Teodoro estavam encostados na porta, abraçados, pois tinham ido ver porque a mestiça demorava tanto, e encontrando-a nesta situação, escutavam em silêncio e atentamente a leitura que ela fazia em voz alta, apesar da dificuldade graças aos soluços e o pranto abundante incontrolável e choravam junto tomando conhecimento das revelações pessoais da idosa que ainda estava internada. Matilda precisava botar toda aquela emoção para fora, caso contrário, sentia que poderia se afogar nela.

Quando terminou, abriu o outro embrulho menor e mais leve que continha os lenços de Iolanda e dela e num gesto impensado, cheirou-os como se ainda existisse algum aroma daquela fase nula de memória de sua vida, e talvez houvesse algum resquício com o auxílio psicológico. Apertou-os de encontro ao peito e libertou o restante do choro sufocado. Movida por sua sensibilidade e sabedoria, adquirida ao longo de sua existência espiritual, levantou entorpecida como sendo guiada por um transe, e sem dizer uma palavra, pegou a chave da caminhonete e saiu de casa. Artur não ousou impedi-la e teve que segurar Teodoro que chorava muito e queria ir atrás de sua mãe. O pai acariciou o cabelo do filho, disfarçando o espanto e lhe beijou a testa, pedindo:

- Calma Teo, sua mãe precisa de um tempo sozinha pra digerir tudo isso!

O garoto acabou concordando e agarrou-se mais ao vaqueiro encontrando o consolo que Matilda procurava naquele instante.

A mãe de Talita ganhou o carro em direção do hospital, e saiu correndo pelos corredores com o vestido, os cabelos longos e as lágrimas esvoaçando borrando a pintura facial. Assim que chegou na porta do quarto onde a mulher mais velha estava e tinha terminado de receber o almoço, parou com as pernas trêmulas, a adrenalina mais controlada, e observou-a minuciosamente.

Minha Cowgirl Favorita ( Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora