XXIII (e meio) - A Desvarinha (com Valentyna e Meia-Noite)

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Meia-Noite retirou – dessa vez com cuidado – o cristal de perto do peito, colocando-o novamente na mesa.

"Ruínas das Rosas?", indagou Valentyna, sentando-se.

Ele negou com a cabeça. "Foi na divisa da Província das Tulipas e Reino dos Girassóis com as Ruínas", afirmou sem pensar duas vezes. "Essa pedra tá morrendo – peguei ela apenas para servir de exemplo".

Silêncio.

Meia-Noite, apesar de achar isto um pensamento deveras estúpido, podia quase que escutar as engrenagens da cabeça da garota se mexendo, procurando significado naquelas palavras. Estava prestes a prosseguir, sentindo-se um tolo, quando Valentyna indagou:

"Como que uma luz morre?"

Ele piscou, levemente surpreso. "Ela.."

E, de repente, viu-se sem chão; Aquilo era um conceito tão absurdamente e grandiosamente simples que não lhe ocorrera que eram poucos que conheciam aquele efeito, inclusive entre os próprios feiticeiros.

Mas, ah, aquilo era tão cruel – pois Meia-Noite havia se acostumado com a própria crueldade.

"... Essa luz", murmurou, encarando aquela pedra em suas mãos. "Ela viu algo horrível. Pode ter sido uma morte violenta, ou uma guerra, ou qualquer coisa – e então..."

"Decidiu esquecer", completou a garota numa voz tão vazia que o feiticeiro arregalou os olhos, pensando ser outra coisa muito mais horrível do que uma princesa chocada.

"É".

E aquele "é" parecia um deserto, tamanha sequitude que saiu (sim, minha bela joia, "sequitude", para dramatizarmos a cena).

"Mas como? As luzes das pedras não tem consciência – elas não tem vida. Como que elas podem morrer?", perguntou Valentyna, sem saber que parecia falar de um típico brasileiro em 2019 (sem ofensas, minha bela joia).

"A maior parte".

O resto daquela frase, ah, minhas palavras, o resto daquela frase doía e se requebrava com a violência de um filme hollywoodiano, mas Meia-Noite tinha que falar o resto daquilo.

"Algumas luzes maiores – como, sei lá, o Lumus – podem ser trancadas em uma pedra. Ela vai ficar muito mais poderosa do que um cristal comum, mas o processo para isso é...". Respirou profundamente. "Doloroso. E cruel. Mas isso quase nunca acontece, até porque ninguém sabe fazer, e se sabe, não tem coragem".

"Por isso que você não queria que eu tocasse?"

"Você tem luz demais no corpo. Provavelmente o que sobrou dessa luzinha iria tentar ir para você, o que iria só acelerar a morte".

Disse a última parte muito lentamente, e, também, num tom de voz deveras mais baixo do que anteriormente. "E não dá para salvá-la?"

Meia-Noite teria até rido daquilo se não quisesse chorar. "É claro que não, princesa. É o destino dela. Não dá para mudar".

Num instante, nosso feiticeiro reparou, com muito horror no coração, que jamais deveria ter dito tamanho absurdo perto de Valentyna, princesa do chamado Reino das Luzes Eternas, filha do Sol, escolhida por, sei lá, o Mundo E Todos Os Seres Iluminados Que Nele Vivem (Se É Que Isso Existe), que, naquele momento, estava fazendo uma varinha para se tornar uma bruxa.

E quem estava a ajudando com isso era Meia-Noite, o maior desastre com pessoas que esse mundo (talvez) já tenha testemunhado.

Contudo, estranhamente, a garota ficou com a boca aberta por alguns segundos. Nosso feiticeiro jurava que ela parecia querer falar alguma coisa, mas não conseguia, e, então, resolveu ir por outro caminho:

(LGBTQIA+) O Conto do Feiticeiro MalignoOnde histórias criam vida. Descubra agora