DENTRODENTRODENTRODENTRO

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O vento que o seguia era reconfortante. Não sabia explicar o porquê, mas a sensação daquilo em seu rosto era tão boa. Jogou a culpa no calor desgramento dos lugares em que passou.

Era como estar no meio do furacão. Sabe, aquele lugarzinho no meio? Esse mesmo. O vento corria ao seu redor, mas não o atingia. Obviamente não era seguro, mas também não era perigoso-perigoso. Só uma pausa bem-vinda... Só um descansinho de nada.

Francamente, acho que depois disso tudo acabar, toda essa galera precisa de férias – inclusive eu! Todo dia, toda hora, todo momento tendo que aguentar uma preocupação atrás da outra. E de alguma forma, a gente bota pra frente! Ver um trauma sendo criado não é legal, não. Pelo menos estão indo na terapia agora...

Hmmm, algumas férias no mar iriam ser bem-vindas. Dar um oi pra um kraken. Um tormento do abismo. Um horror cósmico e incompreensível para mortal. Ouvi falar que falhas da realidade tão com desconto pra entrada! A gente podia ir pra uma.


... Narradora...


Tá, tá. Que seja. Tinta odeia água, de qualquer forma.

A pausa acabou, e Edgar conseguia ver através da própria mão.

Encarou o corpo, viu que estava em uma forma espectral, e deu um suspirão de alívio. Uma forma fantasmagórica! Significava que provavelmente ninguém iria o ver. Agora, onde estava?

Oh, uma... Sala de aula? Bem, essa é nova – parecia ser do Fundamental I, com as coisas coloridas nas paredes e a frase "E. E. PROFº SIMONE RODRIGUES DAS LUZES" na lousa, com "4º ANO C" ao lado.

Aaah, o quarto ano... O bullying do treinamento, Valentyna o ajudando, as mães tentando ao máximo o fazer se sentir bem-vindo naquele mundo estranho. Que ano mais estressante! Ou aquilo era o terceiro? Ou o segundo...? Que diferença fazia, de qualquer forma? Naquele momento, nenhuma.

Crianças estavam sentadas, e, por algum motivo estranho, quietas. Eram poucas as salas de quarto ano silenciosas por escolha própria...

"Amélia fez uma cara tão irritada, mas tão irritada, que o rosto inteiro ficou cheio de linhas, e os dedos das mãos começaram a doer, e muito...".

A professora, de pé, lia um livro com uma capa colorida e fofa. Falava com muita emoção na voz, o coque no topo da cabeça balançando de um lado para o outro enquanto as palavras escapavam da sua boca. Era baixa, gorda e com marcas no rosto de quem sorria e ria muito. Os olhos castanhos não tinham sinal de qualquer doença, como Edgar esperava ver. Pelo contrário! Pareciam mais saudáveis e vívidos do que os de muitos cavalheiros.

"Pois se tinha uma coisa que ela não gostava, era injustiça. E aquele juiz era um grande injustiçeiro!", ela continuou, e as crianças se inclinaram para a frente, os rostos ansiosos. "Amélia estava com tanta raiva que nem teve problema em juntar coragem: Em um bufo raivoso, bateu com um dos pés no chão", e a mais velha repetiu o movimento da descrição, o som ecoando pela sala. "'Como ousa ser tão cruel a troco de nada?', a menina gritou. 'Você se diz trabalhar para a justiça, mas tudo o que fez até agora foi bater o martelinho na mesa e falar que nenhum dos meus amigos merece ficar em paz!'".

Edgar-espectro se aproximou da professora, tentando ver o título do livro, em vão. As palavras estavam borradas. "Que censura mais inconveniente", murmurou, de braços cruzados.

Voltou a atenção para as crianças. Será que deveria prestar atenção nelas, ou nas palavras da educadora? Talvez as palavras...

"'Você não é nenhum justiceiro, muito menos juiz! Você é cruel, muito cruel, e só continua aí porque diz que todo mundo que é justo é bobo!', Amélia continuou, ainda mais firme do que antes, e o falso justiceiro a encarava de olhos esbugalhados. Será que saltariam para fora?", e seus pequenos ouvintes fizeram caras, caretas e sons de desgosto, provavelmente imaginando a cena. Edgar já tinha lido coisas piores do que aquilo, infelizmente. "'Quem quer o bem pros outros é bobo, quem quer casa pros outros é doido, quem quer felicidade pra todo mundo não tem nem pé, nem cabeça! E ao invés de trabalhar pra dar isso pra todo mundo, você mente falando que não dá! É o seu trabalho! Arruma um jeito! Mas você só vai ficar de braços cruzadinhos, torcer o nariz e falar que não pode fazer nada! Juíz não pode ter nojo de ser justo!'"

(LGBTQIA+) O Conto do Feiticeiro MalignoOnde histórias criam vida. Descubra agora