1- Intragável

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A vista da janela era estonteante, eu poderia ficar horas e mais horas apreciando a beleza daquele fim de tarde.

O manto em tons quentes começava a se estender até aonde a vista alcançava e o sol se escondia atrás das imensas formações rochosas. Uma brisa refrescante trazida do mar fazia meus cabelos balançarem, logo minha visão estava repleta de fios negros bagunçados.

— Princesa Eleanor? — Ouvi batidas na porta e me levantei do assento da janela para ir atender. Ao abri-la dei de cara com uma das funcionárias do castelo

— Vossa alteza, poderia me dar licença para limpar seus aposentos? Sinto muito por incomodá-la, mas só falta seu quarto para limpar e como a senhorita passou a manhã toda aqui eu não pude fazer isso.

— Ah, claro que pode, me desculpe por atrapalhar seu serviço. — sorri envergonhada e abri passagem para ela.

Deixei que a mesma fizesse seu serviço e comecei a caminhar pelo corredor, meio sem rumo.

Uma luz dourada passava através das enormes janelas e refletiam nas brilhantes paredes de mármore, o Castelo de Salun era realmente um lugar sofisticado e digno da realeza.

Eu sabia como meus pais se sentiam orgulhosos pelas enormes riquezas do seu reino, pelos moradores satisfeitos e pela bela família que tinham.

Eu também me sentia feliz por tudo isso, mais ainda por nunca ter que governar esse reino. Ser a segunda na linha de sucessão, a filha mais nova, havia sido uma dádiva sem comparação! Me imaginar com o peso daquela coroa na cabeça era arrepiante.

— Yuna! — A voz doce de minha mãe soou quando passei em frente a porta da sala de chá, no primeiro andar.

— Sim, mãe. — Recuei um passo e me coloquei no alcance de seus olhos.

— Está tudo bem? Te vi caminhando tão envolta em pensamentos, estava indo a algum lugar?

— Eu? Ir a algum lugar? — Dei risada da sua suposição. — Não, só estou vagando por aí enquanto espero limparem o quarto.

— Sendo assim, sente-se comigo e me faça companhia. Temos algumas coisas para tratar. — Ela deu leves batidas no espaço vazio ao seu lado.

Me sentei e pude perceber que ela estava empolgada mesmo sem dizer nada, o que só significava uma coisa: ela iria contar uma história.

— Sabe, eu acho que já te contei minha história, não contei? — Colocou o dedo no queixo, como se pensasse.

Sim, eu conhecia a história da minha mãe de cor e salteado.

Tudo começou quando ela tinha cinco anos, o que aconteceu antes não importava e sequer era lembrado com clareza. Só precisamos saber que em um belo dia de primavera, quando as flores preenchiam as árvores e tingiam o chão, o rei e a rainha de Evanor lhe encontraram. Mina era apenas uma menina perdida em um porto da Coréia, entre uma multidão de desconhecidos, o rei descobriu que a mãe da garota havia lhe abandonada por não querer criá-la e não pensou duas vezes em, com o desejo recíproco da esposa, de adotar aquela pequena menina. Logo minha mãe se tornou Mina, princesa de Evanor e última da linha de sucessão, com seus três irmãos na sua frente.

— Acho que já contou... — Balancei a cabeça sorrindo. —Mas é muito boa, pode contar de novo e de novo.

— Hoje não, quero lhe contar algo diferente. Creio que nunca lhe contei sobre a viagem que fiz para minha terra natal, certo? — perguntou e eu neguei com um gesto de cabeça. — Foi no meu aniversário de dezoito anos, guardo essa lembrança como a maior aventura que já vivi, a sensação de expectativa por conhecer coisas novas e descobrir mais sobre minha cultura queimavam em mim. Conheci tantos lugares lindos e pessoas tão interessantes...

— Isso parece incrível, mãe! Consigo imaginar a senhora nesse cenário, uma verdadeira aventureira.

— Sim, e a veia aventureira ainda flui em mim, porém eu não posso mais sair por aí explorando o mundo, tenho muitas responsabilidades, então pensei com meus botões, porque não passar isso para minha querida filha mais nova? — Me olhou com brilho de expectativa no olhar.

Minha reação foi arregalar os olhos em total espanto por sua ideia tão oposta a minha personalidade. Eleanor Yuna, aventureira? Impossível!

— Mãe, a senhora bateu a cabeça em algum lugar? Ou está tentando fazer uma piada? Porque o que a senhora acabou de sugerir não poderia ser mais inviável. — Ri um pouco nervosa pelo medo de ela não estar brincando.

— Estou falando muito sério, na verdade, não é bem uma sugestão, está mais para ordem mesmo. Filha, você passa tempo demais atrás desses muros e principalmente dentro do seu quarto, saindo somente quando tem que cumprir suas obrigações, chegou a hora de mudar isso. — Sorriu, convencida que seu poder de mãe seria a chave para me fazer obedecê-la, e ela estava certa, mas eu não me entregaria sem lutar.

— E se eu não quiser? — Ergui uma sobrancelha enquanto lhe dirigia um olhar desafiador, que não surtiu muito efeito.

— Terei que usar minha autoridade de mãe para lhe punir, e se eu fosse você não iria querer isso, já que sou a pessoa que mais lhe conhece nesse mundo — ameaçou, e mil punições terríveis passaram pela minha mente.

Mordi o canto interno da boca enquanto pensava em uma solução para meu recente problema, mas era impossível fugir dos planos da rainha Mina, eu bem sabia.

— Eu me rendo. — Revirei os olhos me acomodando melhor no sofá para me preparar para seja lá o que ela me mandasse fazer.

— O desafio é simples e tenho certeza que no fim você vai gostar do passeio. Certo, é o seguinte, quero que dê uma volta por aí e, para comprovar que não ficou a uns dois passos da minha vista, me trazer três flores, entre elas uma margarida azul, minha favorita e que só nasce perto da floresta.

— Mãe! Esse lugar fica a umas duas horas daqui...

— Uma hora se você for a cavalo, e melhor ainda se for com alguém que sabe o caminho, por isso vou pedir ao Steve que te acompanhe.

Fiz uma careta com a menção do guarda, não que eu tivesse qualquer coisa contra o rapaz, mas ele era o novato, sinônimo de desconhecido para mim, o que tornaria a viagem ainda mais enfadonha.

— Ele não, prefiro o Joe — impus minha condição.

Joe era o guarda mais antigo, não sendo a toa que já estava perto de sua aposentadoria, mas também o mais gentil e comunicativo de todos.

— Tudo bem, pode ser o Joe.

— Certo... — Suspirei com a visão daquela viagem diante dos meus olhos — Mas, e se eu não conseguir?

— Aí vem uma parte bem divertida para todo mundo, menos você. — Ela riu de um jeito maléfico, que me fez rir ao invés de sentir medo, mas o sorriso desapareceu do meu rosto quando ela continuou. — Qual é a bebida que você mais detesta?

— Não mesmo, nem pense nisso! A senhora compartilha do mesmo desgosto que eu, seria como uma traição.

Eu tinha aversão por chá, de qualquer sabor, tipo e afins. Não entrava na minha cabeça como alguém tomava aquilo por livre e espontânea vontade, era intragável! Minha mãe também não gostava nada da bebida, mas sempre que eu estava doente me fazia tomar.

— É apenas um incentivo para você não desistir no meio do caminho, eu sei que vai conseguir, acredito totalmente no seu potencial. — Me puxou para um abraço demorado, que eu retribuí, mesmo murmurando por aquele destino cruel.

Graça, margaridas e cháOnde histórias criam vida. Descubra agora