9- Talheres, espinhos e quadros

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Salun era um reino lindo, eu poderia ficar horas a fio admirando, era uma visão de tirar o fôlego.

Me inclinei sobre o guarda corpo da sacada sentindo o vento acariciar meu rosto, como eu tanto apreciava.

O toque frio do meu colar me fez abrir os olhos, o retirei, colocando-o na palma da minha mão e deslizando os dedos pela estrela em seu centro.

Eu amava aquele pequeno objeto, ver os raios de sol provocando feixes luminosos coloridos me fascinava, tamanho era meu carinho que fazia questão de nunca tirá-lo, desde o momento que o ganhei, no meu aniversário de cinco anos.

Mas eu comecei a quebrar esse costume quando me decidi a atravessar o Rio Partido diversas vezes, era quase como se eu estivesse traindo a meu reino...

Balancei a cabeça, afastando aquele pensamento, não era assim. Na verdade, nem acreditava muito que aquela desavença com os Cristynianos deveria permanecer, era tão bobo, tanta coisa seria melhor se esse tratado fosse invalidado.

"Você só está pensando nisso para benefício próprio, sabe bem que seu pai vai ficar uma fera quando descobrir." — minha consciência me acusou.

E ela estava certa, mas não importava, eu não tinha a menor pretensão de tentar mudar a mente de meu pai e de todo o Conselho.

Já estava prestes a voltar para o meu quarto quando um estrondo me fez saltar de susto, e sem que eu pudesse impedir o colar escorregou entre meus dedos.

— Não... — Olhei para baixo a tempo de ver o objeto sumir em meio a roseira do jardim.

Dei as costas para a sacada e me deparei com a origem do barulho.

— Mil perdões, alteza, foi um acidente. — A jovem empregada mirou seus olhos arregalados em mim.

Alternei o olhar entre os vários talheres de prata espalhados pelos degraus da escada e a moça que segurava uma pilha de caixas nas mãos trêmulas.

— Uma caixa acabou caindo, eu tentei evitar e... — começou a se explicar.

— Tudo bem. — Respirei fundo e pensei no que aquelas moças que havia encontrado no dia anterior fariam, com certeza não sairiam correndo. — É melhor recolher isso antes que alguém apareça.

— Sim, alteza! — Deixou as caixas que levava e começou a recolher os talheres de forma apressada.

— Deixe-me ajudar. — Me abaixei ao seu lado.

— O quê? Não! Se a supervisora Martha ver isso eu estou no olho da rua — disse em aflição.

— Eu sou a princesa, acredito que tenho um pouquinho mais de poder de decisão que ela. — Sorri na tentativa de tranquilizá-la.

Comecei a ajudar antes que ela pensasse em outro obstáculo, em poucos minutos tudo estava organizado.

— Muito obrigada — A moça agradeçou fazendo uma reverência.

A observei tentar equilibrar novamente as quatro caixas em mãos, sem sucesso.

— Minha nossa, quem te deu esse trabalho todo? — indaguei desacreditada.

— É porque eu sou nova aqui. — Riu sem graça. — Todo mundo implica com os novatos.

— Mas eles estão muito errados, é uma falta de profissionalismo sem medidas — expressei minha indignação, tinha vontade de descobrir quem fez aquilo com a pobre moça. — Foi a supervisora que te mandou levar tantas caixas?

— Não se preocupe com essas besteiras, princesa, estou bem. — Forçou um sorriso e se pôs a fazer seu trabalho.

"Essa é a sua deixa para ir embora..." — fui avisada mentalmente.

Graça, margaridas e cháOnde histórias criam vida. Descubra agora