Capítulo 16

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- Any? 

E tudo no meu corpo se contrai novamente. O som está um pouco longe, então imagino que seja uma alucinação minha. Talvez o esforço com a bicicleta e o dia todo, na verdade, tenha mexido com meu cérebro.

- Any?

Dessa vez é claro como a campainha na porta da loja no posto de gasolina, e fico completamente imóvel, esperando ficar invisível ou que a pessoa que está chamando o meu nome esteja enganada e tenha falado com a pessoa errada.

- Any!

É uma afirmação dessa vez, uma confirmação.

Viro um pouco a cabeça na direção da voz, sentindo um monte de coisas se revirando nas minhas entranhas.

Meus olhos são atraídos diretamente para a boca que formou meu nome. Eu reconheceria aquela boca em qualquer lugar. ficava a encarando na escola, tanto que às vezes eu me perguntava se podia ser, lá o intimo lésbica. Porém, no final, percebi que a culpa não era minha. Ela sabia chamar atenção para a boca, constantemente lambendo os lábios, como se estivesse sempre procurando uma migalha um pouco fora do alcance. Passei horas no espelho tentando lamber os lábios daquela forma, mas sempre pareci um camelo cuja língua era muito grande para sua boca.

Agora seus lábios formam um sorriso largo - tão largo que receio que seus lábios poderiam rachar se não fosse pelas camadas espessas de gloss pegajoso mantendo-os intactos.

Seu cabelo, que brilhava até perto da bunda, agora acaba logo um pouco acima da cintura e está solto; fora isso ela parece exatamente a mesma.

Sabina Hidalgo mais conhecida como Sabina H.

Ela me cumprimenta com um aceno de cabeça, e me dou conta de que disse seu nome em voz alta.

- Any Gabrielly - diz ela, sem quebrar o sorriso. Está à distância de um cuspe, e minha mão, por reflexo, aperta mais a alça da bomba de gasolina.

Vejo seus olhos me examinarem - minha calça de moletom preta, minhas luvas, o galão de gasolina que seguro sem firmeza ao meu lado como uma bolsa desajeitada - e tenho 16 anos de novo, desejando ser mias parecida com ela.

- Ouvi dizer que você tinha... hum... se mudado - diz ela, lançando os olhos para baixo e para esquerda. Imagino quais foram os verdadeiros rumores. Que morri, que entrei em um circo itinerante, que participei de algum programa de pesquisas ultrassecreto do governo.

Quando nos mudamos para Nova Jersey e comecei a frequentar o primeiro ano da Lincoln High School, a única coisa que salvou foi que tive a chance de começar de novo: ser outra pessoa. Além dos professores e da enfermeira da escola com quem nos encontramos antes do início das aulas, não precisei contar a ninguém do Lincoln High sobre meu problema. Por isso, não contei. E até onde posso dizer, os professores mantiveram segredo. Isso, entretanto, não impediu os olhares, sussurros e especulações nos corredores e durante as aulas.

- Não - consigo falar. Minha voz é suave e trêmula, e me sinto tão envergonhada com isso quanto a minha aparência.

Ela fica me olhando, como se esperasse algo mais, talvez uma explicação do que estive fazendo nos últimos nove anos. O mesmo pânico que senti com a mulher do caixa começa a surgir: Para onde olho? O que faço nos momentos de silêncio? e se eu rir de  algo que não é engraçado?

- Bem, estou divorciada - diz com uma risadinha, como se contasse uma piada batida. - Estou tentando voltar à ativa, mas não é tão fácil com três crianças.

Meus olhos se arregalam, mesmo contra a minha vontade. a perfeita, bela e popular Sabina H. , que provavelmente era a mais cotada com maiores chances de ser uma estrela de TV famosa, ou pelo menos de se casar com um astro, é uma divorciada de 28 anos com três filhos?

Perto o Bastante para Tocar |Beauany |CONCLUÍDA Onde histórias criam vida. Descubra agora