Capítulo 80

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Deixe a estrelinha ✨

Na segunda-feira à tarde na biblioteca, Louise está em um estado de pânico constante.

- Meu genro é intolerante a glúten, minha neta odeia qualquer coisa verde e minha filha agora é, ao que parece, vegetariana;o que vou fazer para o Dia de Ação de graças? Ar?

Ela tleca no computador, buscando receitas e murmurando baixinho. Faço um "Ã-hã" preocupado aqui e ali, mas, na verdade, não estou prestando atenção. Ben não veio hoje. Às 16h30, disse para mim mesma que o ônibus dele estava atrasado. Às 17h30, pensei que talvez ele estivesse doente e tivesse ficado em casa, mas são quase 19h, e tenho que aceitar a realidade: pedi a Josh e a Ben que fossem embora, e eles foram. E não vão voltar. Sei que é o melhor, que é o melhor, que é o que eu queria, mas, mesmo assim.

- Ah, ótimo, são as Irmãs Gato - ouço Louise sussurrar e, quando ergo os olhos, ela já está fora de cadeira e na metade do caminho que leva à sala dos fundos.

Viro a cabeça na direção da porta. Aproximando-se do balcão estão duas das maiores mulheres que já vi. Meus olhos se arregalam, não apenas de surpresa, mas para poder enxergá-las por inteiro. Então, quando elas ainda estão a cinco passos de distância, minha ficha cai. Um fedor horrível que parece uma mistura de água de esgoto e amônia. Fecho a boca para não sentir o gosto.

Um das mulheres coloca com força uma pilha de livros no balcão à minha frente, e uma bola de pelos de animal sobe no ar, voltando a repousar no balcão em seguida. Pelo de gato. As irmãs Gato. O apelido está começando a fazer sentido.

- Você é nova? - pergunta, com uma voz tão grave que ergo os olhos para ela, imaginando se confundi o gênero.

Exceto por alguns pelos grossos no queixo de uma e a estatura de jogadoras de basquete de ambas, elas, sem dúvida, parecem mulheres. Enquanto estudo as duas  noto que suas roupas (uma está usando um sobretudo bege batido e a outra, um sueter bem grande) estão cobertas de pelo de gato.

- Sim - digo, ainda tentando não respirar.

- Nossos livros chegaram? - pergunta a outra mulher, com a voz tão rouca quanto a da irmã.

- Hum, quais são os livros? - pergunto.

- A série Winged Dragon. Fiz um pedido especial à Ling Ling.

Continuo a encará-la, perplexa.

- Sabe, aquela menina oriental.

Faço uma pausa, perguntando-me se deveria dizer quanto é rude se referir a uma pessoa de descendência asiática como oriental, mas deduzo que, se elas têm o hábito de chamar Shayna de "Ling Ling", na cara dela ou pelas costas, elas provavelmente não vão se importar. Empurro a cadeira para trás, grata por criar espaço entre nós.

- Vou verificar - digo.

A mulher franze a testa, e a irmã repete o movimento, como se ambas estivessem de mau humor.

Quando entro na sala dos fundos, vejo Louise em pé perto de uma caixa de pães doces que restaram da manhã. Ela leva um pedaço de torta de blueberry à boca. Seus olhos se arregalam quando me vê, e ela congela no meio da mordida.

- Desculpe sair tão de repente - diz, com migalhas caindo na blusa. - Eu só precisava, hum... Cuidar de uma emergência na biblioteca.

- Ha-ha - digo, dirigindo-me à prateleira onde mantemos os livros em espera.

- Como estão as irmãs gato hoje? - pergunta.

Olho para ela.

- Hum... Malcriadas.

- É. Elas são assim.

- E fedorentas - acrescento.

- Não é de matar? - Ela sorri, revelando pedaços de massa presos entre os dentes.

Irritada, não respondo. Pego um maço com três livros grandes presos com elásticos. A capa do primeiro tem um enorme e fantástico dragão cuspindo fogo em uma paisagem urbana moderna. Levou-os até o balcão e os entrego às Irmãs Gato.

- Achei.

- Demorou - murmura a que está de sobretudo.

Fecho a mão enluvada e sento-me, pegando o cartão da biblioteca que a de suéter me ofereceu e começo o processo de empréstimo. Quando entrego os livros e devolvo o cartão, e elas finalmente vão embora, respiro fundo o ar puro e encaro a tela preta do computador na minha frente, tentando separar a bruma de autopiedade que não fez outra coisa senão aumentar desde o cinema.

Um grito ensurdecedor vindo da seção infantil me faz virar a cabeça como se fosse uma marionete. Uma menina, com a cabeça cheia de trancinhas e miçangas , está sentada no chão, berrando e apertando com força o joelho.

-TÁ DUENO! TÁ DUENO! - Diz com sua linguagem infantil.

- Shh - diz a mãe, em pé perto dela. - Falei para você não correr aqui dentro. Levanta, querida, você está bem. - Isso só leva a menina a chorar ainda mais. Tentando outra tática, o corpo da mulher vai abaixando, até que ela fica no nível dos olhos da filha. - Deixe a mamãe dar um beijinho - diz, levando delicadamente a perna da menina à boca. A menina choraminga, mas seu ataque histérico vai diminuindo até que ela se atira nos braços da mãe. As duas se juntam como se estivessem jogando um jogo infantil de azar: pedra, papel e tesoura.

Outras crianças na seção seguem em frente, tirando livros das prateleiras. Alheio ao par, Roger digita devagar, catando milho no teclado do seu computador. E não consigo tirar os olhos delas. A demonstração flagrante de afeto das duas. O amor palpável que passa de mãe para filha de modo tão natural quanto um rio seguindo a correnteza.

Meus pulmões se contraem no peito, o punho gigante está de volta exigindo vingança, e não posso...

- Any?

Olho para cima e vejo os olhos da cor do oceano de Josh. Fico curiosa para saber há quanto tempo ele está ali, em pé.

- Você está bem? - pergunta, com uma expressão preocupada no rosto.

E é a visão dele, o calor da sua voz, que faz brotar água em meus olhos, que faz minha visão embaçar. Percebo que não, não estou bem. Não estou nem um pouco bem.

- Minha mãe morreu. - digo, a voz embargado na palavra "morreu". E, então, sinto meu rosto enrugar como se fosse um castelo de areia malfeito e começo a soluçar.

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Espero que tenham gostado do capítulo.
Próximo capítulo terá uma conversa bem legal da any com o Josh, se preparem...
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Amo vocês 😍😍❤

Perto o Bastante para Tocar |Beauany |CONCLUÍDA Onde histórias criam vida. Descubra agora