Capítulo 30

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Mais tarde, quando as crianças, com suas pequenas mãos cheias de doces, se dispersam pelas estantes de livros para encontrar seus pais - Louise, para o meu grande alívio, encontrou os sacos nós quais Roger havia guardado os doces e trouxe para mim - , Sabina empurra o carrinho de bebê até mim. Quando se aproxima o suficiente, sussurra:

- Ainda não consigo acreditar que Bailey perdeu isso. Faz semanas que as crianças não viam a hora.

Dou uma olhada para a bebê aninhada no carrinho, olhando para nós com os olhos arregalados, e imagino como seria segurá-la. Sentir o seu narizinho nas minhas bochechas.

- Ele disse que tinha uma "reunião grande e importante" - diz, fazendo aspas com os dedos no ar. - Tenho certeza de que isso é um código para foder com a secretária.

- De qualquer forma, foi bom ver você - diz . - Poderíamos almoçar juntas na semana que vem.

Fico olhando para ela como se ela estivesse falando grego. Almoçar. Pergunto-me se ela está falando sério ou se é apenas algo que as pessoas dizem quando estão tentando ser simpáticas.

- Sammy! Hannah! Vamos. - Ouço, mas não vejo as crianças choramingarem em protesto, as vozes flutuando de detrás de uma das estantes de livros na seção infantil. - Agora! - grita Sabina. Em seguida, suspira. - Vamos lá, vocês podem tomar MacCafé no caminho de casa.

MacCafé? Crianças tomam café agora?

Gritos de alegria emergem das estantes, e Hannah e Sammy vêm correndo em direção à mãe. Eu me contorço em volta das crianças e volto para o balcão. Louise ergue os olhos quando entro no nosso espaço de trabalho.

- Viu? Não foi tão ruim assim, foi? - seus olhos me ignoram, e ela baixa a voz ao nível de um sussurro. - Ah, querida, não olhe agora. Esse rapaz chegou há poucos dias. Ele e o filho parecem um pouco... Desconectados. - Ela se vira, ocupando-se em cuidar dos livros devolvidos. Ergo os olhos ( porque quem não olha quando alguém diz: " Não olhe agora?") E encaro o pai junto à cadeira de rodas. Ele é alto, mas não de modo impotente. Seu cabelo é como uma mistura de um loiro com um castanho bem claro. Se ele não estivesse com um semblante sério, séria quase encantador. Meu olhar se concentra no seu filho preso a cadeira de rodas ao seu lado, lutando para chegar ao balcão.

- Me ajuda - pede ao pai.

Parece particularmente pequeno naquela cadeira grande, e seus olhos grandes ficam ainda maiores com o esforço que faz. Meu coração se desmancha por ele no mesmo instante, mesmo depois dele ter me chamado de assassina em série.

- Não. - O homem desvia os olhos de mim e volta a olhar para o menino. - Eu disse que não ia te empurrar o dia todo.

A cena é tão insensível, tão áspera, que meu queixo cai. Talvez esse seja algum modelo de criação dos tempos modernos que consiste em amar com dureza, mas pelo amor de Deus! O menino é deficiente.

O pai está diante de mim, com uma pilha de livros para deixar no balcão, mas não faço nenhum movimento para registrar a saída deles. Estou vendo o menino se contorcer e lutar com a cadeira excessivamente grande. Percebendo que estou encarando- o, o garoto olha para mim e depois olha para baixo novamente.

- Você deveria ter usado óculos - diz ele.

- O quê? - nem sei ao certo se ele está falando comigo, porque não está olhando para mim.

- Grandes e com moldura clara. - As palavras saem entrecortadas, uma vez que ele está ofegante por causa do esforço.

- Você precisa de ajuda? - pergunto.

- Ele está bem- interrompe o pai, com um toque incisivo na voz que soa mais afiado do que o necessário.

Eu o ignoro e mantenho os olhos no menino.

Perto o Bastante para Tocar |Beauany |CONCLUÍDA Onde histórias criam vida. Descubra agora