POV Camus

458 25 2
                                    

Finalmente, depois de tanto tempo eu consegui tirar férias. Podia curtir um pouco de leitura, passear com Milo e nada daquela correria do hospital. Fazia dois anos que eu não tirava férias. Era sempre a mesma desculpa; não tinham médicos cirurgiões suficientes. E que culpa eu tinha disso? Claro que sou uma pessoa responsável, que preza muito pela eficiência de meu trabalho. Mas, como qualquer outro ser humano, também preciso de um tempo de descanso. A minha sorte era que Milo trabalhava tanto quanto eu ou eu teria sérios problemas em meu relacionamento. E não poderia ser diferente, já que ele era um empresário de sucesso. Acredito que ele tinha mais dificuldade para tirar férias do que eu. Apesar de ser o dono de uma rede de empresas, ele não podia tirar férias quando bem entendia. Muitas vezes ele tinha que trabalhar durante as folgas que ele tirava. Eu não tinha nada a reclamar. Nós apenas íamos levando a vida como podíamos. E claro que tínhamos tempo para ficar juntos e curtir um ao outro. Caso contrário, não teríamos estado juntos por esses cinco anos.

Eu estava deitado no sofá, lendo um livro tranquilamente naquela tarde de clima ameno. Milo estava cozinhando algo para o jantar. Aquele dia estava tão prazeroso que eu recordava da vida pacata que levava naquela pequena cidade no interior da França. Eu sentia muita falta daquela época. Aquela culinária maravilhosa, aquelas pessoas reservadas e simpáticas, nada de estresse ou aquela agitação toda. Paris tinha lá o seu charme, mas não era bem meu estilo. Mas foi graças a essa cidade que fui capaz de encontrar a pessoa com quem desejo passar o resto de minha vida. Um tanto quanto clichê se apaixonar na cidade do amor. Nem parecia comigo, o famoso médico altivamente frívolo. Mas com o passar dos anos, descobrimos que somos vulneráveis, não importando quão centrado você seja. Claro que aprendi isso de formas bastante dolorosas, mas foram essas experiências que me tornaram o que sou hoje. Apesar de tudo, não guardo rancor de ninguém e não me arrependo de nada.

O silêncio predominava naquela casa. Podia ouvir apenas alguns barulhos dos utensílios da cozinha, mas nada que pudesse me desconcentrar da minha leitura. E aquele cheiro de comida grega estava invadindo minhas narinas e me deixando com fome. Tive que aprender a gostar daquela culinária exótica, mas Milo era um bom cozinheiro. Também o ensinei a gostar da famosa culinária francesa, o que foi extremamente difícil. Apesar do nível social em que se encontrava, Milo tinha modos de um pedreiro. Fazê-lo saber aprecia um estilo de vida mais sofisticado, realmente não tinha sido tarefa fácil. Mas eu me orgulhava por ter conseguido. O que mais me agradava naquele relacionamento é que nos entregamos, de fato, um ao outro. Mergulhei no universo daquele grego extravagante e ele se inteirou do meu mundo reservado e culto. Crescemos e amadurecemos juntos. Isso era o que eu mais apreciava nessa nossa vida a dois. E pensar que algum dia eu me encontraria naquela situação. Depois de tudo que me aconteceu, jamais imaginei que seria capaz de amar novamente.

Ouvi a campainha tocando. Quem raios estaria nos visitando em pleno domingo à tarde? Eu não estava esperando ninguém. Milo também não. Levantei-me em desgosto. Não estava com saco para ser cordial.

– Não precisa se preocupar. Eu atendo. – Milo veio da cozinha, impedindo que eu fosse até a porta.

– Está esperando alguém? – perguntei.

– Não, mas sei o quanto você odeia ter sua leitura interrompida. – ele disse sorrindo debochado.

– Não sei se faz isso por gentileza ou por gozação, mas aceito o gesto de qualquer forma. – disse me sentando novamente e sorrindo.

Era bom saber o quanto meu marido era atencioso, apesar de que eu nunca confiava em suas boas intenções. Voltei a me concentrar no livro. Escutei Milo conversando ao fundo com uma mulher. Talvez fosse uma vendedora ou algo do tipo. Não reconhecia aquela voz e eu conhecia todas as amigas de Milo. Com certeza meu marido espantaria aquela mulher, bem rápido. Não tinha que me preocupar.

Doce Fruto de um Passado AmargoOnde histórias criam vida. Descubra agora