Como não ser um vampiro

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CARO TIO VASILE, É com profundo pesar informando que sofri um pequeno acidente com uma égua que comprei pela internet. Ah, o senhor teria apreciado Fera.

Uma criatura terrível, espantosa, feroz. Negra da testa aos cascos e, desnecessário dizer, até o âmago do ser.

Eu não poderia desejar menos e grande temor ao pensar em sua reação que escrevo que isso.

Voltemos à narrativa, porém. Minha égua deliciosamente maligna me deu uma surra admirável – pela qual a absolvo. O resultado foi uma perna quebrada, algumas costelas partidas e um enorme buraco em um dos pulmões.

Nada a que eu não tenha sobrevivido antes nas mãos da família. Entretanto, temo precisar ficar de cama durante pelo menos uma semana.

Não escrevo com esperança de obter sua simpatia. (Ah, essa seria uma ideia esplêndida. O senhor, Vasile, choroso pelo bem-estar de alguém. Eu poderia gargalhar, se isso não me fizesse tossir mais sangue.)

Não, levo a pena ao papel mais no interesse de dar aos Jung o que lhes é devido, já que nunca fui econômico com eles em termos de criticas. (Lembra-se da minha missiva depois daquele primeiro prato de lentilhas? Encolho-me só de pensar.)

Nessa crise, no entanto, para seu crédito, Ambos  estiveram à altura da ocasião, compreendendo de imediato que levar um morto-vivo ao hospital seria uma atitude infeliz.

(Quantos de nossos irmãos modernos foram inconvenientemente guardados em necrotérios durante dias e até mesmo em mausoléus durante anos por conta da falta do que os humanos chamam de "sinais vitais "?)

Ora, como sempre, eu divago. De volta ao ponto: talvez tenhamos sido injustos com os Jung. Eles demonstraram grande presença de espírito e, mais importante, se arriscaram por minha causa.

Quase sinto vontade de repor seus horrendos bonecos como gesto de gratidão. Será que o senhor poderia mandar que algumas mulheres daí fizessem algum boneco grosseiro com, digamos, um carretel de madeira e alguns pedaços de lã? Nada bonito.

Os padrões estéticos para essa coleção especifica não eram elevados, acredite. "Feio" e "malfeito" pareciam ser os critérios fundamentais.

Quanto ao Príncipe Min.. Vasile, o que posso dizer? Ele reagiu ao meu acidente com o valor, a vontade e a coragem de um verdadeiro príncipe  vampiro.

E, todavia, um príncipe  omega possuidor de um coração gentil. Devemos nos perguntar o que isso significaria para ele em nosso mundo.

Vasile, poucas vezes eu afirmaria ter mais experiência do que o senhor em relação a qualquer assunto. Sabe que sou humilde diante de sua capacidade.

Mas eu me arriscaria a me dirigir ao senhor com alguma autoridade aqui, como alguém que já passou um tempo considerável em contato intimo com os humanos. (Sem divida o senhor já está furioso diante de minha impertinência – acredite, posso sentir a ardência de sua mão no meu rosto, mesmo a vários milhares de quilômetros de distância -, mas devo continuar.)

Vivendo em nosso castelo, isolado no alto dos Cárpatos, o senhor teve pouco contato com os que não pertencem à nossa raça. Só conhece o modo de vida dos vampiros modo de vida dos Kim. O modo de vida feito de sangue e violência e a luta árdua pela sobrevivência. A batalha interminável pelo dominio.

Nunca viu o Jung agachado sobre uma caixa repleta de gatinhos, alimentando- os com um conta-gotas - quando nosso povo teria jogado os bichos trêmulos ao relento, vendo-os serem carregados pelas aves de rapina, sem lamentar.

Pelo contrário: com um sentimento de satisfação pelo falcão que não sentiria fome naquela noite. O senhor nunca sentiu a mão trémula de Jung Dara procurando sua pulsação enquanto se está caido, prostrado – vulnerável! -, seminu, ferido, numa mesa de madeira.

O que alguém de nossa espécie teria feito, Vasile? Se Dara fosse uma Min, e não uma Jung, não ficaria tentada a exterminar o principe rival naquele momento oportuno?

No entanto, ela temeu por minha vida. Essa foi a criação que o Príncipe omega recebeu. Ele não é simplesmente um coreano, mas um Jung.

Não um Min.

Foi mimado com gatinhos, gentileza e carinhos. Alimentado com tofu no lugar dos despojos encharcados de sangue de uma carnificina. E o senhor não o ouviu chorar, Vasile.

Não sentiu seu sofrimento, como eu senti, quando pensou que eu estivesse destruido. Isso foi palpável para mim, Vasile.

Rasgou-o por dentro. Min Yoongi – não, Jung Yoongi – é suave.

Seu coração é tão terno que ele não poderia deixar de sofrer até mesmo por mim: um homem que ele mal consegue suportar. Seus inimigos - e nós sabemos que, como príncipe, ele iria tê-los, até mesmo em tempos de paz determinado instante, alguma outro ômega ascenderia, sedento de poder, faminto para tomar o lugar de Yoongi.

Não é assim que o nosso mundo funciona? E, quando confrontado, no momento da verdade, Yoongi hesitaria, só por uma fração de segundo, sem saber se suportaria o desperdicio de uma vida – e estaria perdido.

Nem mesmo eu poderia protegê-lo o tempo todo. No passado, temo ter pensado em Yoongi de modo superficial.

Fui culpado (nós fomos culpados?) de acreditar que aulas de etiqueta, uma mudança de roupas e uma cravada funda e satisfatória de dentes no pescoço pudessem transformá-lo em um vampiro omega da realeza.

Mas o senhor não o ouviu chorar, Vasile. Não sentiu as lágrimas dele caírem no seu rosto, na sua mão.

Pode ser que o império dos vampiros sobreviva a Yoongi.

Mas Yoongi a sobreviveria ao império?

Ele se mostra promissor, Vasile, mas necessitaria de anos para atingir a maturidade. Nesse meio-tempo, seria aniquilado.

Talvez a medicação esteja me afetando. Para ser sincero, Vasile, os Jung têm um curandeiro húngaro maravilhoso, muito indulgente com relação às prescrições, se é que o senhor me entende.

É, talvez seja a infinidade de poções que percorrem minhas veias e saturam meu cérebro, mas reflito sobre essas coisas aqui, deitado - perdendo, devo acrescentar, o primeiro jogo de basquete da temporada.

Voltemos a Yoongi

Nós, vampiros, não temos alma. Mas não traímos os nossos, não é? Não destruimos arbitrariamente, correto? E temo que virar vampiro acabaria por destruir Yoongi.

Será que não deveriamos considerar a hipótese de liberá-lo para ser um adolescente humano e normal?

E deixar os problemas do nosso mundo no lugar deles: mundo e não nos ombros de um garoto coreano inocente que só anseia por montar sua égua, rir com a melhor amigo e trocar beijos "legais" com um camponês simplório?

Estou ansioso por suas ideias, ao mesmo tempo que prevejo sua reação negativa. No entanto, o senhor me criou não somente para implacável, mas tambėm digno, Vasile, e sinto o dever de trazer essas questões à luz.

Seu sobrinho, em recuperação, Seokjin

P.S.: Sobre o boneco: peça olhos de botão, se possivel. Isso parecia ser um traço comum.

Timeless • [YoonJin]Onde histórias criam vida. Descubra agora