Como não ter foco

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- Foco, Yoon, foco - falei para mim mesmo. Mas quanto mais eu me obrigava a ficar concentrado, mais a concentração me escapava.

De algum modo, apesar de faltar a vários treinos, eu tinha conseguido chegar à última rodada da Olimpiada de Matemática de Busan, em que competiam os melhores estudantes. Sem canetas. Sem papel. Nem mesmo uma chance de reler as perguntas.

Só a moderadora lançando problemas orais e 10 alunos de pé, um tentando responder antes dos outros. Eu queria muito vencer. Aquela era uma arena onde eu podia brilhar.

A gente não precisava ser bonito, nem gostoso, nem rico, como Jackson.

Para com isso, Yoon. Você pode chegar ao campeonato estadual se mantiver a cabeça no lugar. Olhando para o público modesto encostado nas paredes do refeitório, vi o Sr. Jaege suando no terno de poliéster escolhido para hoje - um marrom-acinzentado medonho - e me observando.

Ele sorriu e fez o sinal com os polegares para cima. Baekhyun estava lá também, depois de ser eliminado na rodada de velocidade, quando entrou em pânico inexplicavelmente por causa de alguns polinômios rotineiros.

Baekhyun pôs as mãos em concha na boca: Não erra - sussurrou, de modo teatral. Como se isso ajudasse. A moderadora terminou de folhear os papéis.

- Pergunta número dois. Um caixa de banco distraído trocou os dólares pelos centavos quando descontou o cheque de pagamento da Sra. Jones. Depois de comprar uma xícara de café por 50 centavos, a Sra. Jones percebe que tem o triplo do valor do cheque original. Qual é o valor do cheque?

Eu podia fazer isso. Era uma equação diofantina. Isso. Então por que meu cérebro não funcionava? Quanto mais eu me concentrava e raciocinava, mais indecifrável me parecia toda a linguagem das equações. Era como se parte da minha mente estivesse se desligando.

Morrendo.

Isso havia começado semanas antes, quando passei a me afastar de Chan e me aproximar de Seokjin. Para longe da humanidade comum e em direção a um mundo onde o sangue tinha um cheiro delicioso.

O cálculo fazia minha cabeça viajar. A álgebra perdia aos poucos a atração. E agora eu estava numa sala cheia de matematletas, em que eu deveria ser uma força dominante, mas, em vez disso, só conseguia pensar: dólares? Centavos?

Café seria uma boa... Onde se pode conseguir uma xicara de café por 50 centavos? Mas eu não queria café. Queria ir parao campeonato estadual.

Raciocina, Yoongi. E nenhum pensamento me vinha. Pelo menos não do tipo certo. Será que o café ajudaria? - Não! - berrei, sem nem perceber que tinha falado a palavra em voz alta, até que o salão já quieto ficou completamente silencioso e todas as cabeças se viraram na minha direção. Comecei a suar.

Humilhado. Eu tinha sido humilhado. - Foi mal - falei, me dirigindo a todo mundo e a ninguém em particular.

Todos continuavam a me olhar: meus concorrentes, meus colegas de equipe, os espectadores.

E, assim, sai do lugar designado para mim e fui andando, com o que eu esperava que fosse um pouquinho de dignidade, em direção å porta. No corredor, me encostei na parede fria, de azulejos.

O que estava acontecendo com o lado esquerdo do meu cérebro? A parte que deveria controlar a análise e a objetividade parecia entorpecida. E pinicando. Como se fosse mastigada pelo lado direito, o aleatório, intuitivo, não lógico.

Apertei as têmporas com os dedos, massageando-as, tentando aliviar uma dor que eu sabia que não era exatamente fisica.

- Yoongi, você está bem? O Sr. Jaege passou pela porta e correu até o meu lado, bufando um pouco e enxugando a testa com um lenço. Eu sabia o que ele estava pensando. Seu cavalo premiado acabara de quebrar uma pata no último obstáculo. Ele havia investido quatro anos em mim e eu tinha saído mancando.

- A matemática está parecendo. dificil ultimamente - tentei explicar, encarando o Sr. Jaege, desesperado.

- Não sei o que está acontecendo. Não consigo me concentrar.

- As coisas estão bem em casa? - ele tentou perguntar. O esforço de forjar uma conexão humana real entre nós que não fosse sustentada pelos números fez o suor empoçar em seu lábio superior e escapar pelos cantos da boca. Ele usou a gravata para enxugar o queixo.

- Problemas com garotas... ou... ou garotos? - sugeriu, nervoso.

Parecia à beira de algum tipo de espasmo, como se tivesse penetrado demais numa caverna profunda e percebesse que não havia oxigênio ali. Se eu começasse a me abrir, ele poderia desmaiar no corredor. Eu precisava salvá-lo, deixar que ele respirasse.

- Não, não é um garoto - menti, poupando meu professor de um ataque cardíaco.

- Ah, graças a Deus! - exclamou ele, apertando o peito. E então percebeu o que tinha dito. - Quero dizer, claro que, se fosse um garoto, você poderia me contar...

- Tudo bem- insisti. - Não é nada disso.

Mas era. Só que Seokjin não era um garoto, de fato. Era um homem. E eu o queria de volta. Mas sabia que não adiantava mais. Ele estava a fim do Jackson.

- Vou me sair melhor da próxima vez, Sr. Jaege - prometi. Vou mergulhar nos livros amanhã, Me concentrar.

- É isso aí, Yoon.

O Sr. Jaege estendeu a mão para dar um tapinha no meu ombro, hesitou e recuou de volta.

- Vamos voltar para dentro - falei, corajosamente. - Pelo menos posso ouvir, tentar resolver os problemas só por diversão.

- É, é - concordou o Sr. Jaege, aliviado porque nosso momento pessoal havia passado. - Excelente ideia,

Acompanhei meu treinador de volta ao refeitório. Mas, para ser honesto, resolver problemas não parecia divertido nem excelente. Parecia a atividade mais sofrida que eu poderia imaginar.

Timeless • [YoonJin]Onde histórias criam vida. Descubra agora