Como ter uma conversa sincera

134 35 1
                                    

- Omma, quero que me conte o que aconteceu naquela noite.

Ela estava no escritório de casa, óculos na ponta do nariz, examinando à luz pálida da luminária de mesa as últimas publicações acadêmicas que havia recebido. Ao som da minha voz, ergueu os olhos

- Eu já esperava que viesse falar comigo sobre isso, Yoon.

Ela indicou a espreguiçadeira de segunda mão e cheia de calombos, que servia como poltrona de visita. Eu me afundei nela, puxando o cobertor de lã peruano por cima das pernas.

Mamãe girou sua cadeira na minha direção e empurrou os óculos para o alto da cabeça, me dando total atenção.

- Por onde deveríamos começar? Com o que aconteceu entre você e Seokjin no terraço?

Fiquei vermelho e desviei o olhar.

- Não. Não quero falar sobre isso. Quero falar sobre o que aconteceu há duas noites. Quando trouxeram Jin para cá. Por que não foram para um hospital?

- Eu lhe disse, Yoongi. Seokjin é especial. É diferente.

- Diferente como?

- Seokjin é um vampiro, Yoon. Um médico que estudou numa faculdade coreana não saberia como tratá-lo.

- Ele é só um garoto, mamãe – insisti.

- É mesmo? É nisso que você ainda acredita? Mesmo depois do que viu, agachado perto da porta?

Olhando para minhas mãos, torci em volta do dedo um fio solto eo arranquei do cobertor.

- É confuso demais, mamãe.

-Yoongi?

- Hein?

- Você tocou Seokjin.

- Mãe, por favor.. Não iamos falar disso de novo, iamos?

Mamãe me encarou.

- Seu pai e eu não somos cegos. Seu pai pegou o finzinho de seu... momento com Seokjin na noite do Halloween.

Fiquei feliz com o fato de que a luminária mal lançava luz sobre a mesa, porque minhas bochechas estavam pegando fogo.

- Foi só um beijo. Na verdade nem foi isso.

- E quando tocou Seokjin você não notou nada incomum?

A frieza. Eu soube na hora o que ela queria dizer, mas, por algum motivo, fui evasiva.

- Não sei. Talvez.

Mamãe percebeu que eu não estava sendo completamente honesto. Ela não tinha paciência com pessoas que ficavam com preguiça de pensar quando encaravam um conceito difícil. Pôs os óculos de novo no nariz.

- Quero que pense no que viu na sala de jantar. No que sentiu. No que você acredita.

- Eu quero acreditar no que é real – choraminguei. - Quero entender a verdade. Você se lembra do Iluminismo? A ordem geométrica substituindo a superstição? De Isaac Newton, que desvendou o "mistério" da gravidade? E que disse um dia: “Meu maior amigo é a verdade." Como um vampiro pode ser real?

Mamãe me encarou por um longo momento. Pude ouvir o tique-taque do relógio sobre a mesa enquanto ela organizava seu considerável estoque de conhecimento.

- Isaac Newton - disse mamãe, Aquele que manteve a fé na astrologia durante toda a vida. Você sabia desse aspecto de seu suposto cientista racional?

- Não – admiti.

– Não sabia.

- E lembra-se de Albert Einstein? - observou mamãe, presunçosa. -  desvendou o átomo, algo que mal poderíamos conceber há apenas um século? Uma vez Einstein disse: "A coisa mais linda que podemos experimentar é o mistério." - Ela fez uma pausa. - Se os átomos podem existir, escondidos e ao mesmo tempo em todo lugar, há milênios, por que não um vampiro?

Droga. Ela era boa nisso.

- Omma.

- O que é, Yoongi?

- Eu vi Seokjin beber sangue. E vi os dentes dele. De novo.

Mamãe segurou minha mão e a apertou.

Bem-vindo ao mundo do mistério, filho. - Uma sombra atravessou seu rosto. - Por favor, tenha cuidado. É um território muito, muito traiçoeiro. Totalmente indomado. O mistério pode ser lindo. E perigoso.

Eu sabia o que ela queria dizer. Seokjin.

- Vou ter cuidado, mamãe.

- A família Kim tem a reputação de ser implacável – acrescentou, de forma mais direta. – Você sabe que seu pai e eu gostamos muito de Seokjin e que ele é encantador, mas também devemos ter em mente que a criação dele foi bem diferente da sua. E não só em termos de posses materiais.

- Eu sei, mamãe. Ele me contou um pouquinho. Além disso, como vivo dizendo a vocês, não estou a fim dele. Mentiroso.

- Bom, saiba que estou sempre aqui, disposta a conversar. Seu pai também.

- Obrigado, mamãe. - Empurrei o cobertor de lado e me levantei para ir embora, beijando o rosto dela.

- Por enquanto, só preciso pensar.

- Claro. – Mamãe voltou para suas publicações. – Eu te amo, Yoongi, antes de mesmo saber que seria sua mãe - acrescentou por cima do ombro enquanto eu fechava a porta.

Apesar dos avisos, apesar de suas preocupações óbvias comigo, jurei ter percebido uma levíssima sugestão de sorriso em sua voz.

Timeless • [YoonJin]Onde histórias criam vida. Descubra agora