Capítulo 43

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Quando você era o tipo de criança que, apesar de se arrebentar toda, não tinha costume de ir aos médicos, é assustador ver meninas e meninos de até dezoito – às vezes, vinte e um –anos passar no pediatra. Em duas semanas de aulas, eu vi todo o tipo de paciente e situações. Crianças com alguma fratura, vômito, banho de xixi de bebê, golfo de bebê, feijãozinho enfiado no nariz, todo o tipo de irritação de pele, cotonete que foi fundo demais e machucou o tímpano... Enfim, de tudo mesmo.

Tinha sido um ciclo estranho e absurdamente difícil por eu não conseguir acompanhar todos os casos até o fim por precisar ir ao banheiro chorar, vomitar ou urinar. Eu estava me cobrando ao máximo para evitar isso, não queria deixar a minha gravidez prejudicar os meus estudos, mas confesso que não estava sendo tão fácil por agora. Dimitri estava certo em dizer que eu ainda não estava pronta para voltar, mas se eu não me forçasse, honestamente, quando eu estaria?

Dois casos em particular tinham me desestabilizado. Um deles, um menininho com aproximadamente cinco anos, tinha engolido a bateria de um carrinho de brinquedo. Foi triste, ele teve que passar por um procedimento invasivo e delicado. Ele estava tão vulnerável e me fez pensar no Alexey. Se a família daquela criança não tivesse chamado a emergência, nós teríamos tido um fim trágico. Mais um casal perdendo o seu bebê. Eu não pude deixar de pensar no meu próprio. Sempre tinha entendido e respeitado a dor de Dimitri por eu ter perdido alguém que eu amava também, mas nada se comparou a realmente estar em seu lugar. No lugar de parente, de mãe. E tinha doído. Muito. Foi a primeira vez que eu pedi, implorei, para me abster de um caso. Eu não tinha estrutura para lidar com aquilo ainda, especialmente se o menininho não sobrevivesse. O mais difícil foi, ao chegar em casa destruída, ter que contar ao Dimitri o que tinha acontecido.

O segundo caso foi de uma garota da quinze anos. Dez anos a menos que eu e a barriga muito maior que a minha. Bem, com um pouco mais de treze semanas, não esperava que eu tivesse muito o que mostrar. Eu tinha um certo voluminho ali bem abaixo do meu umbigo, que era visível se eu estivesse deitada ou durante a manhã. Mesmo quando era cedo, quem realmente me conhecia, podia pensar que eu tinha desistido do Crossfit e voltado a comer como doida igual há um ano atrás. Quando a tarde chegava, o inchaço por excesso de gases, me denunciava de verdade. Não tinha como negar. Eu podia passar vinte e quatro horas comendo que eu jamais ia conseguir aquela saliência em poucas semanas.

Voltando à paciente, eu fiquei pensando como seria a vida daquela menina em poucos meses. Ela terminaria a escola? Tinha quem a ajudasse? Como ela se sustentaria e o bebê? Se eu estava surtando por ter engravidado quase no final da minha graduação, com o pai do meu filho – e eu também – trabalhando duro para nos sustentar, como estava sendo e como seria para aquela menina? Minha curiosidade me fez continuar a acompanhar o caso dela e foi assim que eu soube que o bebê iria para a adoção assim que nascesse.

Saber disso me deixou um tanto pensativa sobre mim mesma e como eu vinha me sentindo em relação a esse mundo novo de ser mãe. Eu ainda tinha poucos laços com o meu bebê. Eu não o sentia mexer ainda, o via em intervalos e eu praticamente não tinha uma barriga para observar – não uma de grávida, realmente, mas não vou negar que eu já me observei bastante durante a noite –. No entanto, nós já tínhamos passado por tanto e ainda passávamos por muito. Diferente do que eu esperava, estar quase no segundo trimestre não tinha acabado com os meus enjoos. As idas ao banheiro para xixi estavam melhorando aos poucos, mas as sessões de nausea e vômito ainda continuavam firme e forte. Era ruim, mas era a minha maior conexão com o meu filho, por hora.

Bem, eu não ia julgar a decisão de uma outra mulher, de uma mãe. Cada uma sabe das suas próprias dificuldades e necessidades, eu não estava em posição de julgar ninguém, mas isso me deixou mais pensativa do que eu esperava que ficaria. Por como as coisas tinham mudado na minha vida, principalmente. Dimitri esteve pronto para ser pai, eu não. E em pouco tempo, eu estava me acostumando a isso também. A cada vez que eu me olhava no espelho em lingeries e a barriga crescendo, os olhares de ansiedade, orgulho e felicidade do Dimitri, mais eu queria que o tempo passasse logo. Não vou dizer que eu queria ser mãe, mas agora, eu também não podia não querer. Eu pensei como seria a minha vida ao final da gravidez, mas, honestamente, eu não faço a menor ideia de como será daqui para frente.

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