O porta malas do carro estava tão cheio que quem visse achava que estávamos de mudança. Eu falei que era um exagero. Aliás, existe algo além de exagero? Se houver, certamente, Dimitri se enquadraria nessa categoria, por vários motivos. O que era o maior sinal de que estava ansioso já que ele sempre tinha sido o modelo de praticidade para mim.
Nós tínhamos recebido a lista de coisas que eu deveria preparar para levar à maternidade quando a hora certa chegasse, há várias semanas atrás. Eu tinha passado o último mês inteiro lavando roupas e arrumando o quartinho da nossa filha, que Dimitri e eu ainda não tínhamos entrado em um consenso entre Maya e Anastasya. E eu estava tendo um momento difícil em ceder. Ainda tinha arrumado as minhas roupas e as do meu Camarada no guarda roupa. Tinha sido uma mistura de ansiedade e tédio, mas depois que a inevitável mudança tinha que chegar ao fim, nós paramos de procrastinar e fizemos o que tinha que ser feito ou a Maya nasceria e nós ainda não teríamos terminado a mudança oficial.
Tinha sido uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na vida. Nós tínhamos tantas histórias naquele apartamento, tantos momentos maravilhosos. O começo de toda a nossa vida juntos tinha sido lá. Nosso primeiro beijo tinha sido lá. Nosso maior momento de fraqueza, vulnerabilidade e tristeza tinha sido lá. Tudo de maravilhoso que temos e somos hoje foi construído ali dentro. Meu coração estava despedaçado por causa da mudança, mesmo que fosse para um apartamento um par de andares abaixo. Era tanta história naquele lugar que foi difícil partir. O que me confortava era que nós estávamos indo para um lugar maior, um novo capítulo da nossa história juntos a ser escrito. Uma nova fase da nossa vida que não se resumia mais apenas em nós dois. Tinha uma miniatura a caminho.
Minha filha, o quanto não queria ter ficado na minha barriga nas primeiras dez semanas, agora, ela também não queria sair. Também, eu tinha tomado tantos remédios para náusea, vômito, vitaminas, suplemento de ferro e tantas outras coisas que me fizeram quase uma aberração da natureza. Eu tinha chegado nas quarenta semanas e dois dias e nenhum sinal dela querer nascer. O que não fazia o menor sentido já que, normalmente, muitas das mulheres que tinham hiperêmese gravídica não chegavam nem perto das quarenta semanas. Eu tinha passado dela e se dependesse da minha filha, talvez, nós até chegássemos nas quarenta e duas semanas. E isso me apavora!
Eu estava ansiosíssima, tanto que eu havia desfeito as malas da maternidade cinco vezes desde que havia começado essa semana. E ai que entra o problema, porque eu tinha as arrumado exatamente como dizia a lista e Dimitri tinha duplicado tudo o que eu já havia colocado. E não pense que foi só a mala da Maya, ele também tinha ousado a enfiar mais roupas na minha. Eu queria saber como é que estava a pequena mochila que ele tinha preparado para si mesmo... Qual de nós dois estava mais ansioso era difícil de saber, mas ele dizia que era melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Eu, honestamente, acho que o hospital não vai nos deixar entrar nem com a metade daquele monte.
As malas no carro não era porque a Maya ia nascer agora, mas era para evitar que nós dois brigássemos por refazê-las todas as noites e ele enchê-las novamente. Nós tínhamos tirado o dia anterior para entrar em um acordo das coisas necessárias. Eu ainda achava um exagero, mas eu tinha conseguido, ao menos, diminuir uma peça e outra das nossas malas. Eram, no máximo, três dias de internação e parecia que eu estava levando – por causa dele – o suficiente para passar quase o mês inteiro. O que eu tinha intenção nenhuma de passar! Por mim, voltaria para casa no dia seguinte!
Além disso, hoje era o primeiro show de férias agendado no bar da Sonya. Sim, eu ia fazer shows até a minha filha nascer. Dimitri era super contra. Na opinião dele, eu deveria tirar essas últimas semanas para descansar e relaxar, mas se eu não fizesse algo, minha ansiedade ia me enlouquecer e a Maya demoraria mais ainda para nos dar a graça de nascer. Dimitri me acompanhou em todas as consultas semanais na obstetra desde que eu tinha dito que os shows aconteceriam e eu pretendia participar. Ele estava esperançoso da minha médica me dizer que de agora até o fim, eu deveria estar de cama. Ela nunca disse e eu fiz questão de ter certeza: Os shows fariam mal à ela?
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Love on the Brain
FanfictionRose era apenas uma imigrante misteriosa sentada, diariamente, na mesma mesa do café com sua bebida fumegante à esfriar. O único pedido do dia que durava, no mínimo, 6 horas. Seu rosto sereno enquanto digitava no computador e no final da tarde, abri...