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CAPÍTULO 12 - TOV

— Ele disse que vocês iam trabalhar de um jeito diferente, como assim? — perguntou Bento.

— Eu não sei. Fiquei receosa, mas ao mesmo tempo algo me dizia que podia ser bom. Sabe, descobri que o Sr. Miguel é cristão e pelo testemunho parece que é um de verdade — Maria comentou enquanto dava uma volta na bola do parque de bicicleta junto com o amigo.

Os dois gostavam muito de pedalar. Na época da escola até ganharam prêmios para a dupla de melhor ciclista. Eles pararam diante de uma barraca de sorvete, desceram de suas bikes e sentaram num banco próximo enquanto se refrescavam com aquelas bolas geladas de creme.

— Um homem rico como ele e cristão de verdade? É algo realmente para se admirar — disse Bento.

— Não é? — Maria comeu mais um pouco do sorvete e refletiu por uns instantes, olhando para o horizonte. — Acho que alguma coisa incomoda o Sr. Miguel naquela empresa. Eu não sei, sinto que ele gostaria de fazer mais do que está fazendo.

— E o que poderia ser? — questionou Bento.

— Não faço ideia. Mas se for algo bom, eu gostaria de ajudar. Eu percebo que ele lida com muitas pessoas, que se pudesse, não teria nenhum contato. Ainda tem a Marina que o persegue.

— Ele gosta dela?

Maria pensou um pouco mais.

— Pelo que sei, não. Mas todo mundo da família dele incentiva o relacionamento. Tomara que ele não assuma nada por pressão. — As palavras de Miguel para o pai sobre "uma mulher mansa e tranquila" ainda pairavam em sua cabeça. Que ele não desistisse de encontrar alguém assim.

— Que Deus o ajude! — exclamou Bento, jogando seu sorvete no lixo. — Agora precisamos voltar porque eu tenho que trabalhar.

Bento trabalhava como técnico de informática numa pequena empresa de manutenção de computadores. À noite, na semana, fazia faculdade de Ciência da Computação. Seus dias de folga era aos sábados de manhã, sendo que sempre aproveitava para pedalar um pouco junto com Maria.

— E eu vou colocar o serviço do trabalho em dia. Tomara que à partir de segunda feira tudo seja num ritmo mais leve. — Ela ergueu as mãos para o céu pedindo uma intercessão.

— A vida é uma guerra mesmo — Bento declarou e os dois partiram para os seus afazares.

*

Maria chegou a Béni bem cedo na segunda. Não tinha quase ninguém, mas ela logo encontrou Aretha direcionando uns homens, que carregavam umas caixas nos braços, ao depósito.

— Vamos, criaturas, vocês são muito lerdos — ela proferia para os homens. — Não, eu já disse que isso não se coloca aqui! — Aretha se alterou com um deles por colocar uma caixa perto do elevador enquanto ia descarregar logo a outra.

— Moça, eu só estou fazendo isso para retirar logo as demais — o homem de cabelo preto retrucou. — Depois eu tiro tudo. Não precisa se estressar.

— Não preciso me estressar? — As palavras dele foi o mesmo que dá um tiro no saco de aborrecimento dela, explodindo para todo lado. — A minha vida é dizer o que vocês tem que fazer. Homens como sempre fazendo sempre as coisas erradas.

Maria observou aquilo e achou muito rude Aretha tratá-los com aquela raiva descontrolada. De repente, apareceu outro homem mais alto e forte. Ele tinha o cabelo castanho claro, os olhos verdes, um nariz delgado, mas uma expressão não muito amigável. Ele entrou dizendo:

— Mas, o que está acontecendo aqui?

O homem, que ela brigou, tentou explicar o que estava fazendo, mas Aretha se sentiu ofendida por ele falar que ela estava tendo um piti só porque não foi logo obedecida.

— Eu não dei piti...

— Qual é o seu nome? — o bonitão desconhecido perguntou.

— Eu sou Aretha. — Ela cruzou os braços querendo passar uma pose de durona e sem medo diante daquele olhar frio dele.

Maria assistindo a cena de longe, tremeu um pouquinho por aquela expressão impassível do cidadão.

— Aretha, não estamos aqui para seguir suas ordens. Viemos entregar as mercadorias e como vamos fazer é problema nosso. Desde que esteja no depósito na hora certa, nada mais importa — a voz dele era de uma gravidade brutal.

Ela se agitou com aquele tom dele. Não admitia que nenhum homem falasse com ela daquele jeito. Quem ele pensava que era? Aquele idiota! Ela leu o nome dele no crachá e retrucou com audácia:

— Eduardo, a diretora do Marketing me designou para fazer isso. Então se estou aqui é porque é necessário. E não a nada que vocês façam que eu mesma não pudesse fazer sozinha — Ela esbravejou, e Maria estava começando a ficar apreensiva pela luta travada entre os dois e logo notou como Eduardo semicerrou o olhar para a mulher atrevida a sua frente. — A realidade é que não existe nada neste mundo que os homens façam que as mulheres não façam muito melhor até.
— Ela riu com zombaria.

— É mesmo? — ele perguntou sério. — Então, você vai nos poupar muito trabalho. — Ele levantou as mãos e disse:
— Pessoal, parem! Larguem tudo isso.

Aretha franziu o cenho, pensando no que aquele maluco estava fazendo.

— Nós não precisamos mais fazer nada, porque segundo a mocinha aqui tudo que fazemos ela mesma pode fazer. — Maria esbugalhou os olhos enquanto ouvia o que o homem falava. — Então, bom pra gente que temos um serviço a menos.

Eduardo, para completar, ainda pegou uma caixa do chão e colocou nos braços de Aretha que pendeu o corpo todo pra frente assim que sentiu o peso.

— Você está maluco! — Aretha berrou.

— Você mesma disse que podia fazer tudo. Eu não vou discutir. — Ele virou de costas e os demais homens começaram a segui-lo.

Maria vendo toda aquela bagunça, resolveu intervir na situação e apressou os passos em direção à Eduardo.

— Sr. Eduardo, por favor, não pode fazer isso — Maria suplicou. — Aretha não falou por mal, estava só estressada.

— Sua amiguinha gosta muito de afrontar. Deixa ela resolver tudo. Não tenho paciência pra ficar discutindo bobagem. Então ela que se vire. — Ele, que tinha parado para dar atenção a Maria, voltou a andar.

Maria foi falando por trás:

— Você não vai deixar seu trabalho todo ser difamado por causa de umas palavras bobas, não é?

Eduardo parou e antes de dizer mais alguma outra coisa, ponderou sobre ter seu trabalho difamado. Não, ele não permitiria isso. Ele bufou.

— É só por causa disso. A Béni é uma cliente nova da empresa, não vou deixar isso acontecer. — Ele deu ordens novamente para o pessoal terminar de levar as caixas para o depósito.

Voltou até Aretha e a viu com a caixa no chão, ela não conseguiu dar nem mais um passo adiante com aquele peso. Ele pegou a caixa com seus braços fortes e seguiu até o depósito.

Ela vendo que ele nem lhe pediu desculpa começou a xingá-lo:

— Homem bruto, estúpido, chato, terrível!
— Ela bateu os braços ao lado do corpo com força, suas bochechas estavam vermelhas de raiva e a sua respiração ofegante, os batimentos cardíacos pareciam que iam pular para fora da caixa do peito.

Maria se aproximou dela e disse:

— Aretha, não faz isso. Tem sorte dele ter voltado pra terminar o serviço.

— Sorte? — Ela virou-se para Maria com os olhos inflamados de raiva.

— Sorte sim! Larga desse orgulho. Você sabe muito bem que não ia conseguir carregar caixa nenhuma. E não existe isso de que fazemos as mesmas coisas.
— Maria replicou. — Isso vai contra a ordem natural do que Deus criou.

Aretha respirou fundo, respirou de novo e de novo até que foi se controlando mais. Ela não queria, mas precisou admitir com muita raiva que realmente não ia conseguir levantar aquelas caixas. Mas ainda sabia que podia fazer qualquer coisa que os homens. Não ia desistir dessa ideia. Nunca. Ela balançou a cabeça e se retirou, precisava ficar um pouco sozinha ou quem sabe socar algumas coisas.

Tudo Outra VezOnde histórias criam vida. Descubra agora