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Maria dormiu pouco na noite passada, mas as palmas que vinham dos diretores e acionistas em decorrência do excelente relatório apresentado e, principalmente, por saberem que a empresa Béni estava bem administrada, estando sem dívidas e com bons lucros, era realmente uma melodia gratificante aos seus ouvidos. E agradecia a Deus por ter a abençoado para terminar aquilo e, claro, com a ajuda de Miguel. Ela percebeu que o olhar dele estava em sua direção e então o mirou, percebendo um brilho de satisfação vindo por parte de seu chefe. Sim, ele estava cansado, dava pra ver por seus olhos pesados, mas a alegria de que tudo deu certo, cobriam qualquer fisionomia de acabado. Ele também pôde ver que sua assistente o brindou com um sorriso nos olhos.

— Que exímio trabalho, Miguel — Raul, irmão de Marina e acionista, declarou com seu olhar costumeiro de desdém.

Não era segredo para ninguém a antipatia de Raul em relação a Miguel. Os dois nunca se deram bem. Não que Miguel, com seu espírito brando e pacífico, nunca tivesse tentado uma aproximação, mas o outro simplesmente o repelia. Até mesmo Marina era repreendida pelo irmão por ainda insistir em ter alguma coisa com o filho do sócio de seu pai. Ele sempre alegava que Miguel nunca gostou dela e ambos nunca ficariam juntos. Segundo seus argumentos, a irmã merecia um homem melhor. Não um sujeito de posição altiva como Miguel. Sendo que esse conceito sobre o caráter de Miguel fora algo que ele mesmo estabeleceu para si e não estava disposto a reconsiderar. E, claro, Marina nunca o ouviu, continuando assim com seu sonho de que um dia teria o sobrenome Cavalcanti.

Mas, o verdadeiro ressentimento de Raul com Miguel estava em que o rapaz nunca precisou fazer nada para ser aceito e simplesmente o era. Miguel era amado pelos pais, avós, amigos e até por seu pai, o Sr. Diaz, e sua irmã Marina. Enquanto ele, Raul, parecia que nenhum de seus esforços eram vistos. Desde que conhecera Miguel, na adolescência, num jantar de família, ele arrebatou o coração de seus familiares, tendo sempre seus talentos super valorizados, enquanto os dele, de Raul, não eram levados em grande consideração. Por isso, ele falou para si mesmo que Miguel nunca ganharia sua consideração, e não pôde deixar de se alegrar quando o jovem tentou ser seu amigo. Repudiá-lo e esnobá-lo eram parte de seu prazer, pois queria mostrá-lo que ele não podia satisfazer todo mundo. Porém, para seu eterno desagrado, o rapaz não insistiu mais e viveu sua vida, tendo muito êxito nisso. Não podia ignorar que a presidência da Béni nas mãos de seu arqui-inimigo fora o pior de todos os golpes e saber que ele também ali era um sucesso, o fazia sentir o gosto amargo do ressentimento. Nunca seria melhor que Miguel? Cada vitória que ele teve na sua vida não foi tão valorizada quanto as conquistas do outro. Odiava ser a sombra dos Cavalcanti.

— Obrigado, Raul. — Miguel agradeceu com o olhar semicerrado. — Mas as parabenizações também servem para a Maria. Ela trabalhou muito para que isso fosse pronto. — Ele a indicou com a mão, estando ela em pé ao seu lado.

— É claro. Mas também é o mínimo que ela pode fazer. Já não tem beleza e se fosse desprovida também de inteligência, de que valeria a existência, não é? — Raul soltou uma risada, o que acabou contaminando os outros da sala a rirem.

Miguel ficou indignado com a enunciação de palavras tão maldosas. Raul parecia que sempre tinha uma agulha na mão para o ferrar. Maria apertou as mãos e suas bochechas coraram demais de vergonha. Ela quis correr dali, como o diabo corre da Cruz.

— Se seu julgamento sobre as pessoas é baseado em algo tão simplório como a aparência, eu ousaria dizer que você é o maior desprovido de inteligência, assim como todos aqueles que pensam igual. — A expressão de Raul se petrificou, com uma ira ascendente, diante da ofensa descarada de Miguel, e os demais da sala se calaram imediatamente, e como um manto o silêncio cobriu aquela sala.

Todos se levantaram, pegaram suas coisas e partiram sem dizer nada.

— Maria, para onde você está indo? — Miguel perguntou quando observou a sua assistente seguir rumo a saída junto com todos os outros.

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