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Maria abriu as portas dos fundos daquela galeria, nem ela sabia como achou aquela saída, mas só se importou em ir o mais longe possível. A noite estava sem estrelas no céu e nuvens negras pareciam cobrir todo o firmamento. Um raio brilhou e um gotejo fino de água começou a descer a terra. Maria sentiu a dor dilarecerar seu coração diante de tantos tormentos e vexames, até quando tentava acertar, ela errava.

"Oh, Senhor, o que fiz para receber tantas humilhações? Será que essa miséria nunca passará? O Senhor deveria ter me feito morrer no ventre da minha mãe, assim eu não seria essa vergonha!" Ela fez mais uma de suas curtas orações, porém seu lábios não pronunciaram nenhuma palavra. Era seu coração que gritava ao Consolador.

A chuva tornou-se mais forte, destruindo seu penteado e desmanchando a maquiagem borrada, parecendo limpá-la daquele visual degradante. A pele esfriou diante do vento que passeava pela escuridão da noite. Ela olhou ao seu redor e não havia nada para se esconder, a rua estava praticamente deserta e seu senso de direção foi afetado por suas emoções descontroladas. Porém, de maneira abrupta, ela mergulhou nos vendavais de suas recordações:

Estava andando pela rua do bairro e o vento começou a soprar com mais intensidade. A tarde daquele dia de repente virou noite. As árvores balançavam e as folhas se soltavam com voracidade, sobrevoando sobre o rosto de qualquer um que passasse por ali. Foi assim que Maria foi acertada por um forte galho, que a derrubou no chão enquanto voltava do mercado para sua mãe. As compras se espalharam pela calçada e o sangue na testa desceu. Sem esperança, ela foi ajudada por aquele que vinha sendo tão gentil com ela ao longo do tempo: Otávio.

"Maria, eu vou te tirar daqui" — ele disse e sua voz entrecortava com o vento forte. Ela pouco se atinou as palavras dele, apenas constatou aquelas fortes mãos a levantando e a guiando por algum caminho.

O tempo passou e então abriu os olhos, vendo como estava em sua cama e somente uma dor de cabeça a dominava. Tentou se erguer, mas a dor piorou, ouvindo assim uma repreensão:

"Você não deveria fazer esforço" — Aquela voz era familiar e ao mesmo surpreendente. 

"Otávio? O que faz aqui? Se meus pais te pegarem..." — ela dissera com certo desespero na voz.

"Não se preocupe. Eles sabem que eu estou aqui. Na verdade, me deixaram ficar depois que te trouxe para casa e essa tempestade ainda não cessou" — Otávio explicou toda a situação e Maria se atentou para os fortes pingos de chuva batendo sobre o vidro da janela.

"Você me salvou. Eu sempre vou ser grata." — Ele sorriu e segurou a mão dela. Assim, naquele dia ele conquistou seu coração de vez.

"Maria, enquanto eu estiver por perto nada de ruim acontecerá com você" — Otávio beijou o dorso da mão dela, e ambos conversaram mais naquela tarde do que em qualquer outra.

Sonhos contados, segredos compartilhados e sorrisos para todos os lados. Nunca se esqueceria do menino que a fez imaginar que poderia, sim, ser amada e "desejada". Mas então...

"Então, sabe o que ele fez. Eles sempre fazem a mesma coisa. Veja, Miguel não lhe defendeu diante daquela mulher. Ele também sabe o quanto você é ridícula. Todas sabem!" — A terrível voz falava de novo na sua mente. Ela era sua parceira constante.

Maria começou a sentir o ar faltar e o coração a acelerar. Parecia que o corpo ia desabar a qualquer momento.

— Maria! — o grito de Miguel a trouxe novamente para a realidade em meio aquele temporal.

Ela viu como ele estava todo encharcado pela chuva grossa que caia sobre eles. Miguel andou na sua direção, mas Maria mostrou a palma da mão trêmula para limitar sua aproximação.

Tudo Outra VezOnde histórias criam vida. Descubra agora