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Maria acordou cedo naquela manhã fria. Fez suas higienes matinais (a empregada havia lhe reservado alguns itens) e saiu do quarto andando pelo corredor silencioso, ela imaginou que todos ainda estivessem dormindo. Passando pela porta de um dos quartos, notou que a mesma estava entreaberta e resolveu ser abelhuda, então se aproximou. Lá dentro estava Melinda com um pincel em mãos e uma tela bem a sua frente. A menina detinha uma concentração muito grande para aquilo que fazia. Maria resolveu não atrapalhá-la e voltar, mas sua presença foi percebida.

— Maria — Linda declarou, sorrindo para ela.

— Ah, oi! — Maria fez um aceno meio ridículo. — Desculpe te atrapalhar, mas este é o seu ateliê? — perguntou retoricamente, dando uma voltinha pelo lugar e vislumbrando as grandes telas pintadas em volta, todo tipo de tinta, pincéis, papéis e outros apetrechos que uma artista poderia querer. — Nossa! Ele é lindo mesmo.

— Foi meu irmão que montou pra mim — Melinda disse com muito entusiasmo.

— Seu irmão é bom.

Melinda ficou calada apenas observando a expressão de Maria e sorriu em seguida.

— E o que você está pintando agora? — Maria se aproximou para ver a tela.

— Ah, ainda está no início. Estou pensando no que posso fazer. As vezes prefiro deixar a imaginação livre e deixar minhas próprias mãos me guiarem.

Maria pensou que se ela deixasse as suas próprias mãos a guiarem, ia sair um nada misturado com coisa nenhuma. Essa é a vida de quem não tem um viés de arte correndo no sangue.

De repente, um som alto foi ouvido dentro da sala e para a vergonha de Maria era seu estômago reclamando por ainda não ter se alimentado e precisava comer, pois não queria ter problema com sua pressão novamente.

— Acho que seu estômago está dizendo que é hora do café da manhã — Melinda declarou, deixando os pincéis e tintas na mesinha ao lado e tirando o avental. — Vamos, acho que Selma já tem alguma coisa preparada.

Maria viu que Melinda se agarrou de novo no seu braço para poder andar. Miguel realmente estava certo quando disse que a menina tinha gostado dela e precisava de uma nova amiga. Ficou muito feliz por saber que estava sendo usada para ser benção na vida de outra pessoa. As duas conversaram até chegarem a cozinha, onde Melinda pediu para Selma serví-las na mesa da varanda para assim aproveitarem o ar fresco da manhã. Os bolos, café, suco, tapioca e pão caseiro com manteiga satisfizeram a fome da hóspede da casa, levando-a até cometer um pouco de gula por querer provar cada uma daquelas iguarias.

— Ai, meu pai, me perdoe o pecado de comer tanto — Maria massageou o estômago já avantajado.

— Você realmente estava com fome — disse Melinda rindo. — Gosto de sua companhia, Maria, é bem mais divertida do que meus avós todos os dias.

Maria riu e se sentiu elogiada.

— Você também é uma ótima companhia, Melinda. Uma menina amável e cheia de talentos.

Melinda não pôde deixar de abraçá-la. Ambas voltaram a conversar, e Miguel apareceu com os cabelos molhados e uma blusa polo azul escuro e bermuda. Aquele estilo totalmente despojada fez o rosto de Maria corar um pouco, talvez fosse a admiração que pulsou mais forte e o constatar da beleza do seu chefe, ainda que estivesse vestido com trapos velhos sempre estaria bonito. E os avós da casa, só se acordariam mais tarde.

— Dormiu bem, Maria? — ele perguntou se sentando.

— Dormi muito bem, senhor.

— Estava pensando que podíamos mostrar um pouco da fazenda para a Maria, Miguel. O que acha?

— Oh, não precisa! Eu realmente tenho que ir embora pra casa. Meus pais devem está para ter um treco de preocupação.

— Preocupados por quê? Eles sabem onde você está — alegou Miguel.

— Bom, eles são bem protetores. — Maria apertou as mãos debaixo da mesa.

— Ah, vamos andar um pouquinho pela fazenda. Depois você pode partir. Por favorzinho — Maria, com seu coração mole, se deixou convencer.

Os três partiram para uma longa caminhada pelos arredores da fazenda. Ela ficou encantada com as variedades de árvores que cercavam o lugar, tinha até uma trilha que dava para um pequeno lago, habitação de alguns patos e umas vitória-régia. Miguel apresentou para a funcionária o curral e mais adiante estavam os bois e as vacas pastando; o chiqueiro também onde os porcos se enlabuzavam na lama e por fim a  Cavalariça, onde guardavam os cavalos e éguas.

— Esse aqui é o Ventania — disse Melinda se aproximando de uma das baias, lugar em que o animal fica recolhido, e acariciou um majestoso cavalo de pelagem escura e brilhante. — Meu irmão o tem desde a adolescência.

— Esse aqui é o Ventania — disse Melinda, acariciando um majestoso cavalo de pelagem escura e brilhante. — Meu irmão o tem desde a adolescência.

— Uau! Ele é lindo! — Maria se permitiu acariciar a cara do animal. — Ele deve correr muito.

— Corria, mas hoje em dia não mais — Melinda relatou.

Maria crispou os olhos não entendendo direito.

— Houve um acidente — Melinda cochichou enquanto o irmão estava distante alimentando um outro cavalo. — Meu irmão não gosta de falar disso...

— Melinda — a voz de Miguel bradou, e Melinda tornou a sua posição rígida, temendo que tivesse sido pega. Maria percebeu a reação da menina e resolveu disfarçar também.

— Sim? — declarou Melinda com a voz trêmula.

— Você já mostrou para Maria o proto?

— Ah, é verdade. Venha ver, Maria. — Melinda relaxou e guiou a nova colega até a baia que tinha o proto. Ele era lindo e também muito esfomeado. As duas até se propuseram a alimentá-lo, tendo uns leves vacilos, mas muitas gargalhadas no processo.

Miguel se encostou numa das pilastras que separava as baias, cruzou os braços e observou a interação das duas, sentindo uma felicidade interior por ver sua irmã realmente se divertir e, de certa maneira, o sorriso de Maria também o cativou. Melinda se levantou entre as palhas, na qual tinha sentado, e resolveu ir até o lado de fora para pegar alguma outra coisa. Maria continuou lá sob os olhos do chefe.

— Parece que ele gostou mesmo de você.
— Ele entrou na baia e se acomodou um pouco mais perto dela.

— É um animal muito bonito. — Maria arrumou os óculos no rosto e respirou fundo. — Penso que Deus é muito contente com sua criação. Ele fez um excelente trabalho.

Miguel gostou daquela conversa. Ver Deus em todas as coisas, era algo que poucas pessoas tinham a possibilidade de reconhecer.

— Sabe, ainda não demos um nome para ele. Porque você não escolhe?

Maria ficou surpresa com aquela sugestão de Miguel. Como assim?

— Isso é sério?

Ela olhou para Miguel e ele sorriu para ela. Sim, era para ela mesma. Não aquele sorriso profissional, ou aquele sorriso somente por gentileza e educação. Não, aquele sorriso foi dado especialmente pra ela. Isso a comoveu, fazendo voltar rapidamente aquilo que Aretha lhe contou: "...ele que lhe tirou da passarela, carregando-a nos braços...". Por que ele tinha feito aquilo?

— O nome dele vai ser "King".

— O Rei?

— Sim, ele será o Rei. — Maria sorriu e voltou a tocar em King e, sem perceber, Miguel também o acariciou, fazendo com que as mãos de ambos se tocassem por alguns segundos.

A rosácea de Maria se manifestou com força, ficando totalmente vermelha. Um frio no estômago também a pegou em cheio. Algo estava acontecendo bem ali dentro dela. E ela esperava que não fosse o que estava pensando.

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