Lugar Especial

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"No qual nossa heroína chora pelo sorvete derretido e nosso herói sobe pelas paredes."


Quando deixei a mansão Stark, planejava ir direto para o Griffith. Entretanto, passar praticamente o dia inteiro enclausurada no quarto e remoendo a discussão com Howard me pareceu nenhum pouco animador. Então, já que a Marsh's Bakery estava no caminho, decidi entrar.

Imaginei que um sorvete seria uma ótima companhia. Agora, aqui estou eu, remoendo a discussão com o patife enquanto observo a sobremesa gelada derreter pouco a pouco.

Não consigo entender o que acontece entre mim e Howard Stark. Acho que somos como uma montanha-russa bem da desgovernada. No começo do dia, estávamos ótimos, em perfeita sintonia. Foi só a campainha badalar, no entanto, que tudo desandou numa velocidade atordoante.

Sei que tive minha parcela de culpa nessa confusão e acabei pressionando o gênio infame mais do que ele conseguiu suportar. Por outro lado, será que foi tão exigente assim da minha parte esperar que ele me apresentasse à sua amiga da maneira certa? E Howard não poderia ter sido mais razoável em sua reação quando eu expus minha insegurança?

Com desânimo, remexo o líquido rosa e viscoso com a colher.

Eu costumava tomar muitos sorvetes quando era criança, especialmente de morango. Ainda é o meu favorito e me remete a certas memórias.

Nossos pais sempre levavam a mim e Jimmy à única sorveteria de Richmond na época. Era um momento quase mágico. Eu ficava observando o jeito afetuoso como nossos pais se entreolhavam e acreditava, piamente, que nada de ruim poderia acontecer no mundo enquanto estivéssemos ali, tomando aquele delicioso e perfeito sorvete em família.

Eu tinha dez anos quando mamãe perdeu a batalha para a tuberculose...

Depois daquele dia terrível, nosso pai só nos levou à sorveteria uma única vez. E foi tão difícil para ele, que eu e Jimmy nunca mais sugerimos tal programa. Na verdade, foi muito difícil para nós também.

Acho que uma parte do papai morreu junto com a nossa mãe. Ele se reergueu e seguiu a vida como pôde meses depois, mas nunca mais foi o mesmo.

O que me leva a ponderar que a morte não devia separar casais assim. É muito penoso para aquele que fica.

Todo casal que se ama de verdade devia ter muito tempo juntos e partir para a eternidade unidos também. O último suspiro seria de algum modo solene, sem sofrimento, com os dois bem velhinhos, de mãos dadas e satisfeitos com a vida que dividiram juntos.

Infelizmente, a morte não se importa com nada disso. É cruel e fatalista. Muitas vezes, injusta. Separa dois corações sem hesitar. Ou simplesmente une os dois, mas com algum final trágico, sádica que ela é.

Faço um esforço e consigo afastar esses pensamentos sombrios que nem sei de onde vieram. O que menos preciso agora é ficar mais melancólica do que já estou.

Nesse momento, sinto uma mudança no ar à minha frente e uma sombra encobre a taça de sorvete — do que antes foi um sorvete, melhor dizendo — por um segundo. Ergo a cabeça e vejo Howard Stark se sentar do outro lado da mesa.

A surpresa não me permite formular qualquer palavra. Na verdade, custo um pouco a acreditar que ele está aqui.

Quanto tempo faz que eu deixei sua casa? Menos de uma hora? Será que é uma boa ideia nos vermos tão cedo? Estamos calmos o suficiente ou só iremos nos magoar mais com um novo atrito inflamado?

Ele franze o cenho para a minha taça.

— Parece apetitoso, mas você devia ter pedido a panqueca com calda de morango.

Gênio Infame, Dama MordazOnde histórias criam vida. Descubra agora