Aos pedaços

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"No qual o nosso herói vai atrás da nossa heroína, fala no pretérito e revira o lixo."


Não demoro a encontrar Maria. A porta entreaberta do meu escritório permite que eu vislumbre seu vulto inconfundível lá dentro.

Titubeio perto da soleira. Respiro fundo e empurro a porta devagar, terminando de abri-la por completo de forma que eu possa adentrar o recinto.

Meio distraída com a arrumação da mesa, o raio de sol ergue o olhar por um instante, depois abaixa a cabeça como se nada tivesse visto e então se dá conta de que viu sim e torna a me encarar. De um jeito surpreso. E nada animador, devo dizer.

O que eu esperava? Uma recepção acalorada? Seria ótimo, porém preciso ser realista.

— O que está fazendo aqui, Sr. Stark?

De alguma forma, a agressividade em sua voz e o desprezo como me encara me fazem reagir de forma nada promissora também:

— Até onde me consta, eu moro aqui e não tenho que me explicar.

Nossa, Howard... Esse definitivamente não foi um bom começo para uma tentativa de reconciliação.

Antes que eu tenha chance de apaziguar os ânimos e recomeçar de um jeito mais diplomático, a dama mordaz é mais célere com sua língua afiada:

— Tem toda a razão, perdoe-me. Eu volto outra hora para terminar de arrumar. De preferência, quando o senhor estiver o mais longe possível. Assim, eu não o incomodo com a minha presença, tampouco precisarei aturar a sua.

E vem caminhando na minha direção com passos determinados. Ou melhor na direção da porta atrás de mim, com o espanador tão firme na mão que mais me parece uma arma perigosíssima.

Não duvido que Maria o usaria como tal, se julgasse preciso.

Então, era de se esperar que o instinto natural de sobrevivência fizesse eu me afastar com as mãos para o alto e lhe dar passagem sem pestanejar, certo? Ao invés disso, dou um passo à frente e me coloco bem no meio do seu caminho.

Maria estanca a um metro de mim, visivelmente surpresa. E ainda mais contrariada.

— Você pode ficar — verbalizo, como uma oferta de paz.

Ela me olha sem entender, com certa descrença até, enquanto eu procuro outra coisa para dizer nesse momento, algo para inserir o assunto que interessa, para começar a ajustar nossos ponteiros de fato. Procuro qualquer coisa para falar e simplesmente não encontro uma vírgula.

Eu, Howard Stark, que sempre tenho algo a dizer a qualquer mulher que seja, vejo-me completamente mudo diante desta aqui. Um abobalhado, como Peggy reparou bem.

Quando Maria arqueia as sobrancelhas com nítida impaciência, eu passo por ela e sigo até a mesa, estranhamente embaraçado. A cada passo, tento fazer meu cérebro funcionar de novo, pegar no tranco.

Preciso dizer alguma coisa. Qualquer coisa. Vamos, Howard, vamos!

Ajudaria se eu tivesse pensado melhor antes de agir por um impulso e ter vindo atrás dela assim. E ajudaria mais ainda se eu não tivesse sido tão estúpido mais cedo. É difícil sequer formular o começo de um pedido de desculpas depois de ter sido tão grosseiro.

Apoio as mãos sobre o móvel e percorro os papéis desorganizados com o olhar.

— Eu jurava que a essa hora encontraria uma carta de demissão na minha mesa.

E tão logo essa frase ganha vida própria, percebo que também não é um bom começo. Minha vontade é engolir de volta palavra por palavra.

Fecho os olhos com força e me xingo em pensamento de coisas nada lisonjeiras.

Gênio Infame, Dama MordazOnde histórias criam vida. Descubra agora