Cantoria e Assobios

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"No qual uma pequena confusão acontece em frente ao Griffith."


Depois de dirigir por uma Nova York ainda adormecida, assobiando uma certa melodia pelo caminho até cruzar o portão de casa, tomo um banho relaxante cantarolando a plenos pulmões a mesma canção.

Minutos depois, visto-me, ajeito bem o cabelo e aliso meu charmoso bigode para que fique ainda mais atraente. Aprecio o resultado no espelho, arqueando as sobrancelhas com meu ar naturalmente sedutor.

— Gênio e lindo. Como resistir? — Empertigo-me um pouco, estufando o peito. — Eu sei, é impossível.

Deixo o quarto assobiando a música romântica que não me sai da cabeça enquanto relembro os momentos prazerosos nos braços do raio de sol em forma de mulher.

Mais que prazerosos; momentos... plenos. Especiais de uma maneira que eu não sabia ser possível.

Com as mulheres que tive antes de Maria, era apenas o meu corpo ali. Já com ela, é algo mais, algo maior.

Descendo as escadas, mãos nos bolsos e postura altiva, percebo lindos raios solares atravessando as cortinas já abertas. Parecem anunciar um belo dia. Não; um magnífico, com certeza!

Ah, como a vida é maravilhosa!

— Sr. Stark?

Detenho-me no meio da escada e avisto Jarvis a postos na sala. Não sei a que horas esse homem acorda, ou mesmo se dorme em algum momento, mas já está impecável em seus trajes e bem composto como sempre.

— Por acaso estava assobiando... La vie en rose, senhor?

Do que adianta negar?

— Culpado — admito, erguendo as mãos ao descer o restante dos degraus. — O que posso dizer, Jarvis? É uma bela canção.

— De fato, é mesmo. — Com o cenho franzido, ele analisa meus pés e a escada atrás de mim. — E acabou de saltitar, senhor?

Saltitei? Ora! Talvez eu tenha saltitado um pouquinho, e daí?

— Se você tem alguma coisa a dizer, diga logo, homem.

Um brilho sutil de diversão perpassa o semblante do meu amigo e mordomo por um momento. Depois, ele se empertiga um pouco, a postura mais séria.

— Nesse caso, é muito bom vê-lo disposto assim, Sr. Stark. E tão... feliz, ouso observar.

Sorrio de leve, apoiando a mão em seu ombro. Jarvis olha para mim e o ar de diversão ressurge.

— Quer saber? Eu me sinto mesmo assim, disposto e feliz. Como um barco completo!

— É nítido que encontrou uma boa âncora.

A satisfação dele ao dizer isso é clara feito água.

— Não só uma boa âncora, Jarvis, mas a minha âncora. Tão... perfeita pra mim.

Sentindo-me meio bobo, disfarço como posso e vou até uma das janelas. Longe dos olhares de Jarvis, posso deixar mais um sorriso me vencer.

Avisto Bernard Stark dando sua voltinha matinal pelo jardim e sou acometido por uma vontade súbita de rodopiar com ele. Numa dança. Ao som de Édith Piaf, é claro!

Como se tivesse captado meu plano a tal distância, o flamingo ergue o pescoço esguio e lança um olhar na minha direção. Em seguida, corre em disparada pelo jardim com suas pernas compridas e um tanto desengonçadas. A penugem rosada logo desaparece atrás das roseiras.

Gênio Infame, Dama MordazOnde histórias criam vida. Descubra agora