A Carona

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No qual o nosso herói procede com calma e despretensiosamente.

Ou nem tanto assim.


Com o raio de sol dentro do carro comigo, ainda mais linda do que eu esperava reencontrá-la e bem ao meu alcance, confesso que é desafiador prestar atenção na direção.

O tempo inteiro tenho que fazer um esforço hercúleo para não pensar demais em outras caronas que lhe ofereci.

Quando a situação entre nós era bem diferente, eu podia segurar sua mão entre um semáforo e outro. Ou até resvalar meus dedos carinhosamente sobre sua perna e sonhar com a maciez quente da pele sob o vestido...

Sem dúvida, colocar meu plano em prática será mais difícil do que imaginei, pois o sucesso dele exige que eu tenha total controle do meu desejo e sentimentos por Maria. Ou pelo menos que eu finja muito bem. Para ela e para mim.

Respiro fundo.

Tais lembranças são muito fortes. Ainda assim, mantenho as mãos longe dela como precisa ser, já que a ideia de levar um tapa certeiro não me agrada nenhum pouco.

Devo proceder com calma e despretensiosamente. Por outro lado, não posso perder o mais escasso dos recursos que existe. O tempo. Precisamente, os poucos minutos até o endereço que Maria despejou há pouco.

Preciso agir nesse breve intervalo.

Dizer alguma coisa.

Qualquer coisa.

Mas o quê, Santo Einstein?

No fim, é a dama mordaz quem acaba nos salvando do silêncio profundo ao comentar:

— A viagem parece ter feito muito bem a você.

E essa simples sentença me relaxa o suficiente para que eu consiga contribuir com a conversa de forma decente:

— Fez mesmo. A Califórnia é um lugar relaxante e eu precisava me desligar um pouco. Aqui entre nós, nadar nu no Pacífico em plena luz do dia foi, com o perdão do trocadilho, um divisor de águas. Clareou muito a minha mente, Maria. Estava precisando disso também, sabe? Clareza sobre tudo.

Ela permanece em silêncio por um breve momento, assimilando o que ouviu, até que...

— Você nadou n-nu aonde mesmo?

O raio de sol aparenta estar em choque, e eu percebo que meu relato, apesar de meio filosófico e sincero, não foi lá muito decente como eu pensei a princípio.

— Não se preocupe, era muito cedo e não tinha ninguém por perto para apreciar a vista.

Maria inclina a cabeça para me analisar melhor. Sei muito bem que ela entendeu que a vista era eu mesmo em todo o meu esplendor natural.

Será que imaginou a cena? Será que está me imaginando nu nesse exato instante? Recordando uma parte específica do meu corpo? Uma parte que costumava encontrar o dela com bastante volúpia?

— E-eu não estou preocupada — resmunga baixinho.

De soslaio, noto um leve rubor em suas bochechas.

Sim, ela estava imaginando.

Meio contrariada, meio sem jeito, Maria volta a atenção para a avenida adiante e expira com força.

— Além da sua clara falta de bom senso, que não me surpreende em nada, não é ilegal nadar pelado numa praia pública?

Penso por um momento e me vejo obrigado a admitir:

Gênio Infame, Dama MordazOnde histórias criam vida. Descubra agora