Metáforas Marítimas

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"No qual nosso herói faz uma descoberta e se engasga."


Pela primeira vez desde que me entendo por homem, uma mulher me deixou sem palavras. A tal ponto que não sei explicar o que estou sentindo depois da franca e surpreendente conversa que tivemos na biblioteca. Foi um choque para mim, com certeza. Maria Carbonell me deu uma boa rasteira ao jogar a verdade nua e crua no ar. Sem rodeios, como, já percebi, é o seu estilo favorito.

Porém o que mais me abalou foi a maneira como ela expôs seus argumentos dessa vez. Não como a dama mordaz, com ar superior e de nariz empinado com quem eu já estava habituado, mas com o coração aberto, a guarda baixa, uma sinceridade tocante estampada nos olhos faiscando nos meus.

Posso dizer que hoje eu realmente a conheci. E, apesar do baque que as palavras despertaram no meu íntimo, gostei demais da mulher que vi na minha frente. E odiei o homem que reconheci refletido naqueles olhos. Um homem que não tinha parado para pensar que poderia magoá-la.

A verdade é que venho mentindo para mim mesmo desde que a convenci a trabalhar na mansão. Prometi que não invadiria o espaço de Maria, que agiria apenas como patrão e de maneira respeitosa, mas nunca de fato desisti do desafio irresistível que ela representa para um homem infame como eu. No fundo, eu nunca deixei de ter segundas intenções ao seu respeito. Até essa manhã.

Quando Maria levantou a hipótese de sofrer por minha causa, alguma coisa encolheu dentro de mim. Um coração que eu nem sabia que possuía, mas que está aqui, batendo apertado, e me fez perceber que eu não quero machucá-la. Percebi que não me perdoaria se fizesse. Foi, realmente, um momento muito revelador da minha vida e estou zonzo até agora.

O pior é que as palavras de Carbonell me fizeram pensar, pela primeira vez também, em todas as mulheres que passaram pela minha vida. Ou será que eu deveria dizer pela minha cama?

Acredito que a maioria estava em busca de pura diversão. Mas, ainda assim, a maioria não são todas, certo?

Será que causei dano emocional em alguma delas? Causei sofrimento, dor, parti corações pelo caminho que trilhei sem olhar para trás? Sou um homem horrível por nunca ter cogitado nada disso antes? Por nunca sequer ter me importado de verdade com as mulheres que sorriram de volta para mim?

Todas receberam uma pulseira de diamantes ao fim das nossas aventuras tórridas. Quantas me odiaram por enviar tal presente? Quantas ainda me desprezam por tal postura? Como nunca enxerguei que esse gesto exala canalhice? Como pude confundir com cavalheirismo e gentileza?

Será que sou mesmo um grande conhecedor da alma feminina ou apenas de curvas femininas? Se nunca enxerguei nada além de seus corpos, é justo afirmar que sou um exímio conquistador? Ou apenas um patife, como diria Maria Carbonell?

Enquanto tento entender que tipo de homem sou e por que me importo tanto com a opinião dela ao meu respeito a ponto de fazer um exame de consciência desses, o whisky me serve de companhia. A bebida queima a garganta, aquece o estômago, mas meu peito segue frio e solitário.

Sou um homem solitário, afinal. Como demorei tanto tempo para me dar conta disso? Mesmo acompanhado, agora eu vejo, estava completamente sozinho.

Assisto às gotas grossas açoitando a janela da sala e embaçando o vidro. Uma chuva torrencial castiga o jardim lá fora. O tempo encoberto parece deixar a noite mais pesada e traduz meu estado de espírito. Trovões marcam a noite com estrondos pesados que condizem com a sensação na minha consciência agora.

A tempestade ainda está caindo quando sirvo mais uma dose. E quando Jarvis ilumina o caminho ao entrar com o sedã na propriedade, ainda não passou.

Gênio Infame, Dama MordazOnde histórias criam vida. Descubra agora