Belo Adormecido

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"No qual nosso herói deixa nossa heroína totalmente sem fala."


Primeiro foi o perfume, suave e levemente adocicado, desafiando a névoa do sonho e conquistando espaço no meu subconsciente. Depois, uma pressão leve e deliciosa na minha boca, junto com a respiração entrecortada e suspirante que eriçou minha pele como uma brisa faria. Mas, o que me acordou de fato mesmo foi o calor que o toque misterioso atiçou em mim, espalhando-se feito chamas desenfreadas, derrubando qualquer barreira que me mantinha adormecido. Num minuto eu estava dormindo, no outro... foi impossível manter os olhos fechados. Ainda mais porque me dei conta de um leve toque no meu peito também, uma mão pequena e quente captando os batimentos.

Quando abri as pálpebras, ainda meio zonzo pelo estado sonolento, não poderia ficar mais surpreso com a imagem da mulher debruçada sobre o meu corpo. A pressão que senti na boca era o roçar dos lábios de Maria Carbonell. O encaixe perfeito de sua boca macia na minha. Era ela.

Nesse momento, meu coração bateu mais forte. Mais rápido. Foi como se eu acordasse pela primeira vez na vida, como se acordasse de verdade e para a vida. E desde então, não sei o que fazer ou dizer.

Simplesmente, continuo olhando para Maria. Paralisado num choque silencioso que nada tem a ver com o bom e velho Howard Stark, alguém que sempre sabe como agir diante de uma mulher. Pelo visto, eu sabia até esta aqui chegar e bagunçar tudo.

Em minha defesa, Maria, sempre tão rápida no raciocínio e afiada com as palavras, também permanece imóvel e muda feito uma estátua, olhando de volta para mim. Enquanto isso, me pergunto se não estou imaginando essa cena, se tudo é parte do sonho mais realista que já tive.

De repente, ela parece tomar consciência do que fez e umas oito coisas acontecem ao mesmo tempo. Bom, pelo menos é o que parece. Ou talvez seja só o ritmo acelerado como tudo ocorre que me dá essa impressão. Maria arregala os olhos, pisca rápido e se levanta meio — totalmente — desnorteada. Ela dá uns três ou quatro passos desengonçados para trás, e acaba despencando sentada no chão ao esbarrar no pé da mesa. Graciosa de tão atrapalhada e constrangida. O rosto parecendo um tomate. Um lindo tomate.

Eu deveria rir. Céus, eu quero rir! E quando conseguisse me controlar, deveria confrontá-la também, com certeza. Iria me vangloriar por esse momento e provocá-la ao extremo por ter me beijado. Justo eu! O homem que ela jurou jamais beijar em sã consciência. Acho que as palavras exatas foram estas: nem que eu perdesse o juízo, nem que minha vida dependesse disso.

Quando dizem que o mundo dá voltas...

No entanto, para minha sincera surpresa, não canto vitória. Ao invés disso, apenas afasto o lençol e me levanto da cadeira devagar. E quando me aproximo de Maria não é com um sorriso vitorioso, sedutor ou zombeteiro, mas sim com a mão estendida e o semblante acolhedor porque, apesar de ter o direito de alfinetá-la agora, não quero que Maria se sinta mal pelo que fez. Nunca.

Ela analisa a oferta por um momento, é nítido que está indecisa sobre aceitar ou não. Porém, talvez convencida de que seria muito infantil recusar, Maria segura minha mão por fim e se ergue do chão quando a puxo com delicadeza para cima.

Droga... E ficamos muito perto com isso. Quase nos braços um do outro. É delicioso e perigoso ao mesmo tempo. Tão perto que sinto aquela respiração entrecortada no meu rosto de novo, me inebriando numa vertigem cheia de calor e... outra coisa. Nunca senti isso antes, é intenso demais.

Não consigo soltar a mão de Maria. Ela não protesta quanto a isso. Na verdade, até sinto seus dedos delicados apertarem os meus com um pouco mais de vigor. E meu coração é acometido por uma estranha arritmia enquanto encaro os olhos dela e desço para sua boca ligeiramente entreaberta.

Gênio Infame, Dama MordazOnde histórias criam vida. Descubra agora