| Caio |

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Estava frustrado há meses. Desde o dia em que pus meus olhos nela. Pequena, cheia de curvas, cabelos longos e escuros que chegavam a roçar a parte superior de sua bunda. E que bunda! "Um tapa bem dado, na medida certa...", pensei.

Ela não tinha nada que me atraía em uma mulher, até o dia em que a conheci. Eu preferia loiras, altas, esbeltas. Nada contra as morenas ou as curvilíneas, mas elas não me atraiam. Não, até ela.

Ela despertava um lado primal em mim que eu não reconhecia. Sempre sentia sua presença quando ela entrava no mesmo ambiente que eu. Sem falar na necessidade insuportável e descontrolada de esmurrar a cara de qualquer um que a olhasse com desejo.

Estava sentado na sala de espera do escritório de Igor Vidal, meu sócio e melhor amigo desde sempre. Antonella, a maldita mulher que não saía da minha mente, é sua assistente. Ela é incrivelmente competente e habilidosa em suas funções. Pelo o que falavam nas dependências da empresa, também era uma boa amiga.

Ela não estava avista. A porta da sala de Igor estava fechada e deduzi que estivesse em alguma reunião privada no momento. 

"Por onde você está, Antonella?" Perguntei a mim mesmo enquanto checava meu relógio. Havia sentido seu perfume no momento em que passei pelas portas do elevador, mas não a vi em sua mesa.

Girei a cadeira em que estava sentado para o elevador. Queria vê-la no momento em que entrasse. Olhei para o relógio e já passavam das 14h. "Onde ela estava?". Estava plantado aqui há mais de 15 minutos.

A porta atrás de mim se abriu e Igor saiu da sala olhando um punhado de arquivos em suas mãos. Girei a cadeira rapidamente de volta a seu lugar.

- Antonella, já pegou...- Ele não terminou a frase quando me viu sentado na cadeira.

- E aí, Caio! - me cumprimentou abrindo os braços para um abraço de urso. Levantei e correspondi batendo em suas costas.

-Vim buscar as plantas originais do prédio dos Alianças- falei antes mesmo que ele pudesse perguntar.

- E por que você não entrou?-  Perguntou cruzando os braços e com um sorriso zombeteiro no rosto.

- As portas estavam fechadas. Pensei que estivesse em reunião e não quis interromper-  respondi. Não demorou muito para que ele começasse a me encher o saco.

- Então você decidiu ficar aqui e esperar por mim? Ou está esperando a Antonella? - Perguntou com um sorriso que mostrava todos os dentes.

Não importa o quanto eu evitasse ou tentasse esconder o que ela causava em mim, Igor percebeu no mesmo dia e não parou de tirar sarro da minha cara.

- Só esperando você, seu otário - respondi com uma carranca pouco convincente e cruzando os braços.

Antes que ele pudesse falar qualquer outra coisa, o elevador apitou sinalizando que alguém chegara ao andar.

Virei para o elevador antecipando a entrada dela, mas não era ela. Era a recepcionista do térreo, Carina.

Ela parecia aturdida com algo. Seu semblante dava indícios de que algo havia acontecido.

- Senhor Igor, Antonella caiu na sala de arquivos e se machucou - o mundo ao meu redor havia parado.

- O que aconteceu? - Igor e eu perguntamos ao mesmo tempo enquanto eu apertava o botão do elevador com fúria para ele voltar.

- Houve uma queda de energia há poucos minutos e, quando as luzes se apagaram, ouvimos um grito vindo da sala de arquivos -  Carina respondeu.

O elevador parou no andar e entramos. A descida de 15 andares parecia ser interminável. Quando finalmente chegamos ao térreo, corri para a sala de arquivos no final do corredor.

Antes de chegar a porta, vi um dos seguranças carregando-a. Antonella estava desmaiada em seus braços. O lado esquerdo de seu rosto estava manchado de sangue fresco.

Segurei a respiração quando o segurança a colocou em cima da maca no segundo que cheguei a eles.

Os paramédicos checaram sua pulsação, pupilas e corte na testa à medida em que seguiam para fora do prédio em direção à ambulância. Ela não acordava. Empurraram a maca para dentro da ambulância  e perguntaram quem a acompanharia.

- Eu! - Respondi e pouco me importei para todos os pares de olhos que me observavam agora. Com toda a certeza deviam estar em choque, tendo em vista a minha fama de poucos amigos.

Entrei na ambulância e seguimos para o hospital. O paramédico estava colocando uma tala no pulso de Antonella quando ela começou a gemer de dor e se remexer na maca.

A vi desertar lentamente. algumas lágrimas escorriam de seus olhos. Ela não conseguia virar o rosto por causa do colar cervical e parecia ficar ainda mais nervosa diante do paramédico que ainda estava amarrando uma faixa em seu pulso. Inclinei meu corpo pra frente entrando em seu campo de visão.

O choque em seus olhos era claro, assim como a curiosidade. Então, eu também te afeto?

- Você caiu e se machucou. Estamos a caminho do hospital agora - tentei explicar de forma rápida enquanto a ambulância chacoalhava desviando dos carros na rua.

Ela pareceu entender. O paramédico continuava a imobilizar seu pulso direito e perguntava se ela sentia dores em algum outro lugar.

- Só a minha cabeça e pulso - respondeu no mesmo instante em que a ambulância parava.

O paramédico relatou o ocorrido para o médico e enfermeiros que estavam a nossa espera e a levaram para dentro do hospital. Uma enfermeira se aproximou e me conduziu até a sala de espera enquanto fazia algumas perguntas de como ela havia caído. 

- Noivo - respondi quando ela perguntou o parentesco que eu tinha com Antonella. Sentei em uma das cadeiras vazias na sala e a enfermeira me entregou um formulário de admissão solicitando algumas informações de Antonella.

Fácil. 

Eu sabia de tudo. Havia lido seu arquivo de admissão na empresa no segundo em que coloquei meus olhos nela. Inclusive, o maldito arquivo estava na minha mesa de cabeceira há meses.

Nome: Antonella Andrada
Idade: 23 anos
Escolaridade: superior completo. Administração.
Endereço: coloquei o meu.
Alergias: asma alérgica, penicilina, quinolona.
Tipo sanguíneo: O+
Cirurgias: hérnia umbilical e reparadora no joelho esquerdo.
Contato para emergência: o meu.

Entreguei o papel de volta a enfermeira. Ela entrou na área restrita de cirurgias no segundo que pousou os olhos nas "alergias" de Antonella.

As horas seguintes foram intermináveis.





[Série: Rendidos 01] SubestimadaOnde histórias criam vida. Descubra agora