Capítulo Três - Nova Versão!

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[Hall Endres]

Eu andava por uma rua de pessoas ricas. Sei disso porque aqui tudo parece ser novo e as pessoas parecem extremamente reservadas. Na minha antiga rua, qualquer coisa era alvo de comentários, qualquer barulho suspeito virava notícia. Passei por cinco pessoas e todas não olharam duas vezes para mim, parecia que eu havia conseguido um superpoder, aquele que eu sempre quis. Seria excelente se eu não soubesse nomear a indiferença dessas pessoas para comigo. Tudo era uma questão de quanto você possuía, e no momento, tudo que possuo é uns trocados, uma mochila, meus melhores tênis e requisitos do meu perfume barato que está largando de mim cada vez que suo. Cada minuto que passava eu precisava mais de ajuda, de um bom plano. Junto a esses segundos, o desespero. Eu também xingava na minha cabeça. Xingava muito.
Estava me aproximando de um restaurante que emanava um ótimo cheio de massa e molhos. Diversos molhos. Minha barriga roncou e parecia que meus intestinos tinham dado um nó. Estava faminto, porém, a certeza era óbvia: o dinheiro que eu tinha no bolso não dava sequer para um prato dali.
Porções extremamente pequenas por preços exorbitantes! Onde já se viu isso? Eu preferia mil vezes comprar pastéis e tomar caldo de cana por cinco reais. Sinceramente.
Olhei para as pessoas amontoadas em frente ao restaurante, que tinha um jardim com mesas redondas e cadeiras sofisticadas e de aparência frágil, como de bonecas. Aquelas pessoas não eram clientes, não formavam uma fila para entrar afinal o caminho de pedras estava livre. Eram jornalistas esperando por alguma coisa. Por alguém? Não sei. Não me importo. Eu havia imprimido meu currículo e entraria naquele lugar para tentar colocar lá. Podia fazer isso pela internet, mas... Já estou aqui. Não custaria nada entrar. O maior risco que eu corria era derrubar algo que não poderia pagar, por isso mantive meus braços colado ao corpo e passei pelos jornalistas, que estavam discutindo entre si quem havia chegado primeiro e quem deveria ficar com tal coisa, ou qual câmera tinha que fazer isso ou aquilo. Não entendi direito, era uma cacofonia irritante.
Andei até a entrada, que tinha uma porta de madeira alta e pesada, mas que estava sempre aberta. As luzes ali eram amenas, amareladas sem machucarem os olhos e havia também um imenso balcão, onde uma atendente alta e de batom roxo estava olhando algo no computador e anotando em uma agenda de capa de couro falso. Reconheço porque já tive uma... Certo, ainda tenho e a uso como diário. Me aproximei dela ainda meio incerto do que deveria fazer. Em meus planos, eu só teria que procurar emprego depois que concluísse a faculdade; tudo estava contra mim e agora tenho que rearranjar minha vida.
- Com licença - murmuro, mas acabo chamando-a mais uma vez para que ela preste atenção em mim, finalmente.
- Sim? Desculpe. Boa noite. Tem reserva?
- Ah, não, não, eu... - um nó se forma na minha garganta e por um momento, considero fugir -Eu só vim deixar um currículo aqui. Tenho feito isso em alguns lugares... Entrego a você?
A mulher olhou para mim por um momento longo demais - ela estava me analisando - e depois crispou os lábios e disse:
- Desculpe, mas não estamos contratando pelo que eu saiba.
- Não pode perguntar para o dono? - Questionei. Sei que poderia estar sendo insuportável, a importunando no horário de trabalho, mas eu estava desesperado.
Acho que eu não sentia a necessidade de ter algo desde muito tempo e agora está sendo como minha primeira experiência de poder conseguir. Conseguir o quê? Era algo maior. Responsabilidade, acho.
- Estamos um pouco ocupados hoje - disse -, não posso sair do meu posto. Estou aguardando... Ah, não.
Seus olhos eram escuros, nem mesmo a luz amarela doa abajur no balcão conseguia iluminar qualquer centelha de castanho, verde ou azul nos olhos dela. Eram uma fonte interminável de negro. Era lindo. Mas ela parou de me encarar de um segundo para o outro, e achei que ela desmaiaria porque ficou pálida de repente também.
- Oi?
Atrás dela tinha um espelho. Um enorme espelho inclinado para frente e tão limpo quanto água. E atrás de mim, que usava a camisa preta comum e uma camisa xadrez de botões por cima, olheiras e cabelos claros bagunçados, estava um homem mais alto, quase de pele albina e olhos azuis. Ele olhava para mim... Eu acho.
Me virei depressa e percebi estar há muito tempo na recepção; meu rosto enrubesceu e não precisei olhar para o espelho para saber disso.
- Perdão - murmurei e dei um passo para o lado, para que ele pudesse falar com a moça da recepção, que eu não tinha perguntado o nome.
Meu coração está tão acelerado que é quase como se fosse sair pela boca. O homem não deu um passo para frente, ficou no mesmo lugar como se eu ainda o atrapalhasse. Olhei para a mulher, afinal, era ela que tinha de fazer alguma coisa naquele momento.
- Senhor Laurent - ela disse, animadíssima - estávamos o esperando. Sua mesa está prontíssima. Sua esposa...
- Ela vai vir daqui a pouco - a voz dele não me era esquisita. E era forte, carregada de esforço para falar corretamente.
Ele sorriu para mim, como se tivesse notado que eu estranhei.
Droga. Eu queria sumir. Por que ainda não fui embora?
Olhei para a moça no balcão.
- Obrigado por... ajudar - sorri e pedi licença aos dois.
Agarrei as alças da minha mochila e sai.
Por um momento, pude sonhar que podia trabalhar ali.
Andando novamente pelos fotógrafos, um deles acabou me parando. Era barbudo e tinha cravos escuros no nariz e seus olhos eram grandes por causas das lentes fundo de garrafa.
- Você conversou com algum deles lá, menino?
- Hã?
- Um dos Laurents?
- Ah, não? Eu só... Não. Desculpe?
As luzes do jardim do restaurante estavam começando a me cegar. O que só piorou quando uma enxurrada de flashs disparou e as pessoas começaram a falar todas juntas. Alguém que estava atrás de mim pediu - grosseiramente - que eu saísse da frente. Eu estava atrapalhando uma coletiva e só me dei conta disso quando percebi o que eles queriam fotografar. Melhor, quem.
Era uma mulher, alta e loura e...
Eu sabia quem ela era; ela quase me atropelou, afinal. É impossível esquecer o rosto dela.
Mas eu estava longe, sendo empurrado por uma longa fila de jornalistas que queriam falar com ela, por isso achei melhor me afastar. Mas ela me viu. Eu era tão deslocado ali - em todo aquele cenário com aquelas pessoas - que chegava a ser destacável, como sangue em água.
Pode ter sido o flash da câmera, mas o rosto dela brilhou em reconhecimento ao me ver. E ela se aproximou de mim. Eu nunca achei que alguém - a não ser Jesus - pudesse abrir aquele mar de pessoas que estava ali, mas ela pôde. Aquela mulher fez aquelas pessoas se afastarem do seu caminho com um simples sorriso gentil, e andou até mim até ficar na minha frente.
Voltei aquele momento quando o carro dela parou bem perto de mim no semáforo e ela perguntou se eu estava bem. Fiquei com vergonha que ela tivesse me visto com a mesma roupa daquela hora, e ela estava diferente. Linda, arrumada. Brilhante.
- Eu conheço você - declarou, animada.
- Ah, é. Oi. - minha gagueira era vergonhosa. Talvez seja porque agora não estão fotografando apenas ela, e sim a mim também.
Não é pela minha aparência, mas eu realmente não gosto de fotos. Elas me deixam desconfortáveis desde que minha mãe pegou várias fotos que tinha do meu pai e fez uma fogueira com elas, me obrigando a destruí-las junto com ela em nosso quintal.
Não quero pensar em mim, em fotos, em vários sites por aí. - E se minha mãe vir?
A mulher percebeu que eu estava incomodado com o tanto de fotos que estavam tirando minha. Ver seus lábios formarem uma linha fina de irritação era a prova disso.
- Vamos entrando - disse, apontando para as portas abertas do restaurante, que eu acabara de sair.
Balancei a cabeça em negativa e lhe dei um sorriso constrangido.
- Eu...
- Está tudo bem, mãe? - Outro homem, maior que todas as pessoas presentes apareceu de repente ao lado da mulher.
E eu também o conhecia.
- Porra - murmurei para mim mesmo.

Minha Salvação | Série Irmãos Laurent-(Livro 1) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora