Capítulo Dez - Nova Versão!

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[Diego Laurent]
 
 
O toque me deixou paralisado. Não de um modo ridículo “não consigo respirar” ou “sinto que meu corpo congelou”. Foi algo mais profundo e complexo de paralisia; aconteceu na minha mente, não no meu corpo. Minha mente estava analisando aquela mulher de saia florida até os joelhos e usando uma blusa branca um pouco apertada demais, parecia que ela estava morrendo de calor e andava depressa, querendo logo chegar em casa. Foi quando ele tocou em mim e interrompeu o fluxo de pensamentos mais aflitos que eu tinha em dias. Ficar aflito por causa do meu trabalho é uma coisa, por minha família, outra. Mas por ele?
Eu nunca fiquei aflito por ele como fiquei esses dois dias. Foi como entrar em um mar gelado e sentir que sua alma estremecia. Você range os dentes porque não quer gritar; então aguenta calado.
Hall havia conseguido que eu olhasse para ele por mais tempo do que eu me permitiria — sendo bem sincero, ele ainda parece um adolescente — e eu não consegui desviar o olhar até que tive que virar a esquina e tomar o caminho para casa.
Eu sabia o que ele havia feito, desviando do assunto. Consegui perceber em seus olhos que ele queria aquilo, então fiz como desejado. Deixei passar. Eu não queria forçá-lo a nada. Mesmo que já tenha imaginado como seria roubar um beijo dele.
Não posso confessar isso para ninguém, mas, sim, já pensei nisso. Quando passei o braço por sua cintura naquela noite, eu não estava totalmente apagado. Fui ousado, esperei que ele me afastasse, mas Hall se encostou em mim. E senti o tecido da camisa esquentar com o contato com a minha pele. Foi assim que dormi.
Meu pai me ligou para avisar que não havia podido ficar me esperando. Ele tinha um compromisso.
— Deixei uma coisa para você em cima da sua mesa — avisou, antes de desligar.
Essa “coisa” que ele se referia era uma pasta preta. Mas antes que eu fosse abri-la eu decidi ir para o banheiro e ir tomar um banho para fazer meus pensamentos voltarem à ordem que estivera dois dias antes ou, se não isso, um pouco melhores do que há minutos. Não posso ficar me dando o luxo de pensar em Hall e de como ele pode estar neste instante.
Instagram, ele dissera. Que piada.
O conteúdo das folhas na pasta era o que eu imaginava que seria. Gerry García estava por perto novamente. E procurava por minha família. Há mais de trinta anos que ele está nessa obsessão por nós e parece que não vai parar tão cedo. A história é mais longa e dolorosa do que eu gostaria de pensar; seria como reviver todas aquelas emoções e todos aqueles medos. Eu não podia fazer isso agora, meu pai que me desculpasse.
Coloquei a pasta de lado e notei, com um movimento lento de cabeça, que havia um caderno no pequeno sofá do meu escritório. Não era meu. E com certeza não é do meu pai, ele não era desleixado, o que só me leva a única opção possível: Hall.
Levanto da cadeira e não quero parecer ansioso para por meus dedos ali, mas a verdade é que estou ansioso, sim: não preciso fingir quando estou sozinho em casa, chego até onde o caderno está em dois passos e o pego depressa, voltando para minha cadeira.
Eu sei, eu sei que não deveria ler algo que não é meu, isso é muita idiotice, mas… Eu precisava saber um pouco mais sobre esse garoto que está corroendo meu crânio e meu cérebro como um maldito parasita. Eu simplesmente não consigo parar e pensar racionalmente.
Eu quero isso e sei que vou assumir meus erros no futuro. Os admitirei, fugir das consequências não é algo que eu faço.
Leio algumas páginas.
Não vou demorar tanto.
 
 
O telefone na sala de estar me tira da leitura. Meus olhos estão ardendo porque não os pisquei com frequência, como sempre faço. E o sol lá fora está mais baixo no horizonte, o que queria dizer que eu passei da hora de ir para o trabalho, passei da hora do almoço e não fiz a costumeira ligação para minha mãe no almoço. Fiquei alienado por esse pequeno caderno que, apesar de nada especialmente grosso, tinha muita coisa escrita.
Muito caos.
A escrita de Hall me deixou hipnotizado. Não consegui fazer mais do que mudar de lugar no escritório; indo da cadeira para o sofá, do sofá para a cadeira, com o livro enfiado na cara.
Ele escrevia com toda a sinceridade, eu apostava. E era por isso que os textos eram tão bons.
Mas quando o telefone tocou, eu realmente o coloquei de lado e sai do escritório. Estava faminto e com as costas doendo.
Atendi.
— Senhor Laurent, aqui é o porteiro.
— Boa… Tarde? Pode falar. — Eu tentava me acostumar a dizer saudações, mas às vezes esqueço, é algo que ainda estou treinando. Isso e o fato de que estou cansado, então minha cabeça está processando tudo lentamente.
— O senhor tem visita. Ele se chama Thiago Sapiz, disse que o senhor o conhece e está esperando aqui há vinte minutos.
O telefone estava tocando há vinte minutos?
Mordo o lábio, culpado.
— Perdão. Eu estava muito ocupado. Pode deixar que ele… suba. — e então, antes de desligar, me lembro do que dizer — Obrigado.
— De nada, senhor.
Estou surpreso que Thiago esteja aqui. Nossa última conversa não fora nada boa; eu o magoei. E agora ele está aqui?
Thiago e eu tínhamos algo bem no início do meu ano na cidade, ele trabalha para mim — e isso por si só deveria me fazer parar —, mas como eu sabia, eu tinha um traço mimado que não conseguia ouvir a razão em determinados momentos da minha vida, então investia e tentava a todo custo fazer com que o peso em meus ombros não se tornasse insuportável; quando eu não aguentava, assumia as consequências. É isso que faço.
Thiago também era a pessoa que eu recorria quando o peso em meus ombros era excessivo. Conseguíamos conversar, conseguíamos estabelecer uma boa relação que criou regras sozinhas: a) nunca ser vistos juntos; b) aproveitar o máximo os momentos de sexo, porém, conversar sempre que possível também; c) sexo, sexo, sexo.
Não sei dizer como — ou porque — as coisas mudaram tão de repente. Só aconteceu. Em determinado dia estávamos conversando depois de uma noite eletrizante de sexo e Thiago ficou furioso por algo que eu disse, não me lembro sequer o que eu disse. Estava preocupado com minha família, eu devia estar pensando em Davi ou em algo da empresa. Não sei, não sei. Mas minha mente naquela noite não havia relaxado como geralmente acontecia. Eu estava tenso.
Talvez seja por isso que o magoei: eu não estava lá de verdade.
Olhei minha aparência no espelho do corredor. Um segundo depois houve uma batida na porta.
Esperei um segundo a mais para abrir.
Thiago sempre fora lindo, e mais que isso, ele era inteligente. Era uma combinação maravilhosa que eu encontrava mais em mulheres — homens, lindos e inteligentes que não era charlatões era bem raro.
— Oi — digo, abro mais a porta para que ele entre.
— Oi, Diego. Eu… Eu trouxe isso. Você não apareceu então imaginei que havia acontecido alguma coisa bem séria. Incomodo?
— Não. Obrigado, eu…
Bem, eu não podia sequer começar a explicar a Thiago o que aconteceu nas últimas 48 horas. Seria um pouco demais, por isso apenas disse que meu pai veio me ver e que o assunto era sério.
Eu estava me sentindo um pouco egoísta em relação a Hall. Não era algo que eu queria compartilhar com mais ninguém, já não basta meu pai tê-lo que ver aqui? Acredito que acabaria machucando Thiago ainda mais.
Ele acabou passando em uma loja para me trazer o que comer.
Isso foi uma coisa ótima.
Depois de quase quarenta minutos enquanto eu comia e bebíamos vinho, Thiago explicou o porquê veio — de verdade.
— Me senti um pouco culpado pelo que aconteceu em minha casa. De verdade. Acho que podemos tentar de novo.
Tentar de novo.
Eu queria tentar de novo?
Não sei.
Eu não saberia responder questões simples de matemática básica se me pedissem. Minha cabeça ainda estava um pouco opaca, a comida mal descera para meu estômago e estávamos tendo uma conversa leve com o vinho servido à frente, e agora as coisas mudaram de um segundo para o outro, com a conversa profunda sobre nós. O vinho tomou um gosto amargo nada gostoso em minha língua.
Os olhos de Thiago analisaram meu rosto, descobrindo minha confusão.
— O que foi? — Perguntou.
— Eu não sei. Não sei se podemos.
— Claro que podemos. Eu não estou com raiva de você.
— Eu também não — acrescento depressa. — Não estou com raiva de você, Thi, mas… Não sei. Aconteceu tão de repente. Desculpe pela desculpa esfarrapada. É que você me pegou mesmo desprevenido.
Ele revira os olhos.
Não de um modo totalmente infantil, apenas cansado.
A expressão dele parecia dizer exatamente: Estou me cansando de você, Diego.
E eu me senti um pouco mais culpado por isso.
Só que eu simplesmente não conseguia dizer que queria ficar com ele. Não conseguia de jeito nenhum!
— Podemos conversar depois? Naquele restaurante de sempre?
— Podemos — ele concordou, cansado —, claro que podemos. O que há de errado? Você dormiu?
Dormi.
Dormi bem.
Com um estranho, mas nada de sexual aconteceu.
— Sim — foi o que respondi. — Como foi seu dia?
Ele sorriu, contido.
Os sorrisos de Thiago nunca eram tão grandes, ele era um pouco reservado em tudo em relação a si mesmo. Eu gostava disso nele, o fato de que ele só se abria com quem confiava, e eu sou uma dessas pessoas.
Enquanto ele falava, eu não conseguia parar de olhar para ele.
E, de novo, isso não era nada sexual. Não tinha esse momento acontecendo aqui. Eu só estava pensando que… Bem, quando Hall estava aqui, ele se sentou nesse mesmo lugar que Thiago está agora e, coincidência, ele usara o perfume que Thiago usava quando estávamos no nosso caso. Então tudo meio que me fez ficar zonzo com tanta informação de coincidência.
Enquanto Hall era mais franzino e baixinho, Thiago era confiante, forte, másculo e exalava tanta confiança que as pessoas que não o conheciam tão bem quanto eu, poderiam achá-lo arrogante.
Eles eram pessoas totalmente diferentes.
Assim como eu e Hall também somos; isso fez com que meu peito queimasse de um jeito ruim, mas bebi vinho e tentei ignorar essa sensação e prestar atenção nas palavras do homem na minha frente. Afinal, seria muita cara de pau não o fazer.
 
 
Antes que Thiago se fosse, ele me beijou.
E foi um ótimo beijo. Acabei mostrando a ele o quanto fiquei excitado, mas nada aconteceu. Eu disse que conversaríamos mais depois, no restaurante, e poderíamos decidir como ficaríamos.
Quando fiquei novamente sozinho, decidi que estava fazendo isso de um jeito totalmente errado. Eu iria complicar minha vida quando sempre o que fiz foi descomplicá-la, eu não queria confusão, eu não queria chamar atenção dos jornalistas ou de Gerry para mim ou qualquer outra pessoa próxima. Por isso eu decidi que iria devolver o caderno de Hall, diria que poderíamos ser amigos e tudo aquilo, mas não me intrometeria mais na vida dele; minha mãe gosta dele, o que é uma coisa boa.
E apenas isso, nada mudaria, eu conversaria com Thiago e colocaria minha cabeça no lugar.
 
 
Demorou três dias para que eu decidisse ir encontrar Hall.
Antes eu ficava apenas adiando, parte por medo e parte porque não sabia exatamente como fazer, apenas queria, mas não poderia chegar à casa da tia dele e dizer o que bem entender; isso faria de mim algo inominável.
Quando parei na rua, ao lado da casa com portão, percebi que algo estava errado. Foi apenas uma sensação. Igual quando esqueço de verificar algo importante e só sinto isso quando vou dormir. Meus sentidos ficam em alerta e meus pelos ficam eriçados por debaixo da camisa. Olho bem para a casa; aquelas janelas parecem olhos e a porta, a boca. o portão são os dentes.
Desligo o carro e me aproximo da casa.
Eu deveria tocar a campainha, mas não há uma. Então eu deveria bater palma, que é o que se faz como aprendi.
Mas antes que eu faça isso, uma das três janelas na lateral da casa se abre minimamente. Aquele quarto deveria estar sem luz alguma. Acho que acordei a tia dele.
Antes que eu possa pedir perdão por isso, a voz de Hall, tão baixa que mal escutei, e tão rouca, me fez ficar naquele estado de paralisia de antes.
Suas palavras foram:
— Me ajude.

Minha Salvação | Série Irmãos Laurent-(Livro 1) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora