Capítulo 01

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Hall Endres


Gritos e mais gritos.

Estou no meu quarto, está escuro e com a porta trancada, as paredes parecem tremer a cada grito deles. Escuto barulho de vidro quebrando e mais gritos, as cobertas já não me fazem sentir seguro como antes, a porta parece fina demais para me proteger, aprendi a lição desde cedo, se intrometer é pior do que ficar escondido. Longos minutos depois os gritos cessaram.

Estão tentando abrir a porta do meu quarto e após alguns minutos tentando e vendo que eu não iria abrir começaram a dar socos na porta, meu coração palpita rapidamente dentro do peito, não consigo pensar direito, minha cabeça só pensa em fugir, para não ser pego de novo. Fecho os olhos. Penso em como seria bom voltar ao dia em que minha mãe... Que meu pai... Ou eu...

- Abre à porra da porta Endres, eu sei que você está aí seu moleque!

A bebida faz a fala dele ficar enroladas, mas mesmo assim está alto e claro. Agarro o lençol com força torcendo para que ele vá embora. Mais barulhos de algo que quebrando, a voz da minha mãe também se faz presente.

- Deixa o menino em paz!- Ela grita.

Eles começam a discutir novamente, as lágrimas já caem pelos meus olhos em abundância de todas as pessoas do mundo eu fui o sortudo em cair nessa família problemática... Passo a mão pelo meu braço e sinto as cicatrizes dos cortes recentes, meu padrasto viu esses cortes e brigou comigo por horas e horas dizendo que isso é para tentar chamar a atenção da minha mãe, para fazer drama, etc. Parei de falar com minha mãe por um tempo por ela ter colocado esse traste dentro de casa, Nilton é o nome dele, meu pai de verdade morreu. Minha mãe achou o Nilton em uma balada e trouxe-o aqui no final de semana e fizeram sexo no quarto dela pela noite toda, ele não é muito amigável desde o dia que ele chegou aqui e jantou com a gente, ele me olha de um jeito estranho e com desdém então nunca nos falamos apenas quando necessários. O que eu preferiria que fosse nunca.

Horas se passaram e os gritos pararam, levantei da cama e peguei minha mochila da escola tirando todos os materiais de dentro e colocando algumas roupas e algumas coisas mais necessárias e esperei. Minha mãe deve ter se trancado no quarto e apagado, aquele traste deve ter ido para o outro quarto.

A cada degrau meu coração acelera mais, não duvido que me abandone pela boca. Nunca tentei fugir de casa, a situação desde que Nilton chegou é ruim, mas eu aguentava, tinha de aguentar, porque eu ainda tinha esperanças de que tudo voltaria ao... normal? Não, nada mais é normal, de ponta a outra, tudo está de cabeça para baixo.

- Aonde você pensa que vai?- Ele pergunta pausadamente.

- Nenhum canto... Me deixa.- Falei.

- Sei o que pretende fazer, não dou à mínima, mas saiba que se sair por aquela porta, não precisa mais voltar.

Você não sabe o quanto desejo isso.

Tentei sair.

Ele puxa meu antebraço direito e me faz cair perto dos seus pés, ele segura meus cabelos e fala pausadamente: - Você pensa que já é adulto não? Pois bem, quero ver, vai voltar implorando para esta casa e sabe o que eu vou fazer?- Ele cospe em minha bochecha.

Já tinha sentido muita raiva dele antes, mas agora cheguei a um nível em que minhas mãos tremem, e começo a ranger os dentes, antes que ele pudesse falar eu falei primeiro: - Eu te odeio. - Chutei sua coxa e ele me larga.

Minha mão segura à maçaneta, meus dedos coçaram para gira-la, nem pensei que poderia sentir tanto desejo por algo como sair daquela casa. Nilton segura meu cabelo com força e me coloca contra a parede e rápido demais, segura meu pescoço me fazendo perder o ar por alguns segundos. Ele me segura com uma mão e com a outra dá socos em minha barriga, cada soco que ele dava falava coisas horríveis para mim me deixando ainda mais assustado. Tive coragem para acertar suas bolas com um chute fazendo-o cair no chão então finalmente consegui fugir de casa. Ainda ouvi ele me xingar enquanto me afastava.

***

A noite está completamente fria, minha mandíbula está trincada e tremendo, o casaco fino na está tão usado que não me protege mais do frio. Uma sensação esquisita de felicidade me toma quando já estou longe de casa, é estranho, mas bom.

Ainda sinto o calor de sua mão apertando minha nuca e seus dedos grossos apertando meu pescoço, ainda sinto o cheiro de bebida que ele emanava quando falava... ainda sinto o medo em minhas entranhas correndo-me pouco a pouco mesmo estado a quilômetros longe daquela casa dos horrores. Andei algumas ruas que não conhecia e comecei a começar a ficar desesperado então andei mais rápido quando via alguém vindo à minha direção, parei em uma rua mal iluminada onde tinha alguns moradores de rua também, fiquei sentado na calçada e comecei a chorar e muito... peguei algumas camisas que tinha e vesti para tentar espantar o frio. Encostei-me à parede de um prédio abandonado e tentei dormir o máximo para amanhã continuar andando até sair dessa cidade, quero ir para longe o mais longe que conseguir e nunca mais ninguém terá notícias de mim. Será que minha mãe... não. Lógico que ela não vai sentir minha falta, por meses eu tentei ter pelo menos metade de sua atenção, claro que ela trabalha, mas parece que todo o seu tempo se resume em bebida, trabalho, e tristeza. Que ironia, estou quase na mesma situação.

Acordei cedo, na verdade não dormi. Comecei a andar logo para sair logo daqui. Passei por praças, parques, lojas, casas e prédios.

Ainda está muito cedo, o sol é apenas uma suposição, ninguém está passando por essa ponte... a tristeza me invade quando penso em pular agora mesmo, minha vida nunca foi fácil... Mãe bêbada, pai morto, padrasto que me agredia, sem amigos, sem emprego ou planos para o futuro. Fiquei minutos pensando no meu próximo - e talvez último - passo. O céu agora é um contraste de azul-claro, laranja suave e roxa que se reflete no mar abaixo.

Fui para a ponta olhei para baixo e senti o vento gélido soprar no meu rosto, a ponte não tem barras de proteção para esse exato tipo de situação. Me coloquei em cima dos ferros, os ferros são da largura dos meus pés o que me deixa estável sem perigo de escorregar. Respirei fundo, várias vezes, minha mente fala para que eu faça logo isso, que nada vai mudar mesmo, ninguém vai sentir minha falta... o sol da manhã bate em minhas costas, mas não fazia nenhum pouco de calor, provavelmente deve ser 4 da manhã. Joguei minha bolsa para trás no chão e olhei novamente para baixo vendo o mar calmo, andei lentamente e estava pronto para pular...

Senti meu casaco de tecido fino ser puxado com força para trás, o tecido rasgou, mas conseguiu me levar para trás e bater no corpo de alguém que me segurou com tamanha força que me fez perder o ar. Não ousei olhar para a pessoa que me puxou. Sinto apenas sua respiração na minha cabeça o que prova que além de forte, a pessoa também é muito alta.

- Você... Está bem?

O que responder?

Sim.

Não.

Não sei.

- Por quê?

Silêncio.

- Não podia deixar você fazer o que pretendia.

- E porque não?

- Olhe para mim.

Virei-me para vê-lo.

Uau!

Aquele homem é um deus! Não deixo meu olhar percorrer todo o seu corpo, até poderia, mas sua presença e a situação constrangedora me deixam com muita vergonha. Foi como no dia em que Nilton viu minhas cicatrizes nos pulsos e basicamente riu. Ele também as notou. Ele também vai rir? Não, ele não riu.

- Quero ajudar você, onde você mora? Posso te levar...

A simples menção de me levar para casa fez meus estomago revirar. Livrei-me do aperto dele e me afastei dois passos, estávamos muito perto. Olhei desesperado para os lados, apenas alguns carros na via contrária passavam. Olhei para minha bolsa jogada no asfalto, depois de pegá-la rapidamente olhei para ele.

- Não precisa obrigado. - Então corri.

- Espere! Ei!

Não ousei olhar para trás. Corri o mais rápido que consegui, mesmo na direção contrária procurei becos na qual entrar e continuar a correr. A cada passo eu sentia a necessidade de vomitar.

Quando meu peito começou a arder e meus pulmões pareceram ter chamas em vez de ar, eu parei. Parei e respirei. Olhei ao redor. Estava a poucos quilômetros da ponte e poucos quilômetros de casa.

Meu Deus...

Minha Salvação | Série Irmãos Laurent-(Livro 1) (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora